sexta-feira, 23 de abril de 2010

Mais uma da série, recordar é viver: A representação da CIA dentro da Polícia Federal

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Mas mantendo a linha para falar dos donos do País, que não são somente os nativos, outra reportagem de Bob Fernandes, derivada da entrevista com Carlos Costa, ex espião americano e ex "chefe" da polícia federal brasileira.

A CIA & COMPANHIA
Dois delegados da Polícia Federal, um já aposentado, contam em minúcias a história do CDO, instalação da Agência no Brasil

Por Bob Fernandes

Confira na edição impressa:
A HORA DO RESGATE
Delegado que, dentro da PF, enfrentou a CIA ainda em 1997 revela em detalhes a dimensão da ingerência dos EUA. E da submissão...

RÔMULO, O HISTORIADOR...
Corregedor produziu relatório que radiografa a promiscuidade entre a Agência e a PF desde 1988, e afirma que não há base legal (para o CDO-CIA).



Terça-feira 13, oito da noite. Carlos Costa, chefe do FBI no Brasil de 1999 a 2003, está no gabinete do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Conversa informalmente com os deputados Dr. Rosinha (PT-PR), Maninha (PT-DF) e Fernando Gabeira (RJ, sem partido). Já deveria ter sido iniciada, às seis e meia, a sessão secreta das Comissões de Inteligência e Relações Exteriores que ouviria Costa sobre a ingerência dos serviços secretos e policiais dos Estados Unidos no Brasil. Sessões na Câmara e no Senado se arrastam. Às dez da noite, a decisão é tomada. O depoimento de Costa se dará às nove e meia da manhã do dia 28 de abril.

Pouco antes, outra sessão secreta havia sido adiada. A do dia seguinte, quando deporiam, como convidados, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Félix, e o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda. No Senado, a informação: os ministros optaram por adiar seus depoimentos porque preferiam saber antes o que falaria Carlos Costa.

Dez e meia da noite. O senador Suplicy, à porta de seu gabinete, relata:

– A embaixadora dos Estados Unidos, Donna Hrinak, me disse que seria melhor o senhor Carlos Alberto Costa dar o seu depoimento reservadamente, porque se o seu depoimento for público o governo norte-americano pode decidir processá-lo.

Quarta-feira, sete da noite. O delegado da Polícia Federal, já aposentado, José Roberto Benedito Pereira, 53 anos, conversa por uma hora com CartaCapital. Entrevista a seguir, das páginas 18 a 22. Ex-chefe de gabinete do então diretor da PF, Vicente Chelotti, ex-corregedor-geral da Polícia, José Roberto abre a alma.

Em detalhes, confirma a longínqua e estreita relação da Polícia Federal com os serviços secretos dos Estados Unidos. No varejo, atesta o que Carlos Costa afirmou no atacado quando de sua entrevista a CartaCapital (edição 283, que pode ser encontrada no www.cartacapital.com.br, na seção Grampos e Espionagem junto a outras sete edições que tratam do mesmo tema, a presença de CIA, DEA, FBI e assemelhados, e as atividades de espionagem dos EUA no Brasil).

O delegado José Roberto ascendeu junto com Chelotti. O projeto previa, entre outros pontos, “enquadrar os americanos”. José Roberto, assim como outro delegado, Luís Carlos Zubcov, tentou enfrentar a CIA. Ambos caíram. Chelotti, relata o delegado, “perfilou-se com a CIA”.

O delegado desce a minúcias. Recorda os debates sobre a CIA na PF, vai muito mais além, mas também confirma, com a autoridade de quem viveu os fatos, o que CartaCapital revela, desde 99, sobre a ação dos serviços secretos dos EUA no Brasil.

José Roberto conta: o Centro de Dados Operacionais (CDO), depois chamado SOIP e hoje COIE, funcionou desde sempre em regime de informação compartilhada com a CIA. Dali foi feito o grampo que flagrou, em 1995, o presidente Fernando Henrique em conversas com o chefe do cerimonial, Júlio César Gomes dos Santos.

Conversas particulares, mas também sobre o Sivam, então de enorme intere$$e para a CIA e os Estados Unidos. (Em tempo. O grampo revelado por CartaCapital há três edições é outro. Foi feito diretamente por serviços secretos dos EUA nos palácios Alvorada e Itamaraty.) O delegado José Roberto recorda minúcias dos tempos FHC, como rememora sua ida a Washington para se submeter ao teste do detector de mentiras lá então aplicado pela CIA em policiais brasileiros.

O delegado, em seu retorno, escreveu a memorável peça, então documento “confidencial”, intitulado “São Tomé, Ver para Crer”. O documento, que depois seria parte de sindicância interna, integra também o processo que o levaria a se tornar um pária dentro da própria Polícia Federal, encostado nos corredores, sem função, pois não havia quem, em pleno governo Fernando Henrique, decidisse “enfrentar os americanos e abrir mão das verbas deles”.

José Roberto terminou requisitado pela Presidência da República para a ABIN, e de lá assistiu à queda de Chelotti. Pouco adiantou. O enfrentamento, inclusive em uma reunião dentro do próprio CDO, selara seu destino. Ninguém, então, arrostava os norte-americanos dentro da PF e via a carreira sobreviver.

Rômulo Fish de Berrêdo Menezes, 36 anos, da Corregedoria e lotado no Senado no momento, é outro delegado da Polícia Federal. Rômulo é autor do relatório que percorre a história das sindicâncias e rastreia os passos da CIA – ou dos “americanos”, como diz ele quando se prende às formalidades legais – dentro da PF, na base do CDO, hoje COIE.

O relatório, brilhante e corajoso, assegura não existir sequer amparo legal para a existência do CDO-COIE nas bases em que funciona, com subvenção dos Estados Unidos.

Na entrevista a CartaCapital Berrêdo descreve o quase inacreditável. Como, até o ano 2000, nas dependências da Polícia Federal um doleiro fazia câmbio, para a PF, com dólares da CIA. Melhor, “dos americanos”. A revista IstoÉ, em sua edição passada, revelou a existência do doleiro e suas ligações.

Em seu relatório, minucioso, Berrêdo colhe o depoimento de 14 agentes e delegados e, ainda que sem descuidar das formalidades legais, na tomada de depoimentos, escancara, nas linhas e entrelinhas, as longevas pegadas da CIA dentro da casa da polícia do Brasil.

Quinta-feira 15. Final da tarde, avenida L2 Sul, Brasília, Procuradoria da República. O doleiro Georges Fouad Kammoun acaba de depor ao procurador Luiz Francisco Fernandes de Souza.

O doleiro Fouad relata que sua relação com a PF teve início em 1988, tempos, aliás, em que se instalava a base CDO-CIA. No primeiro câmbio, US$ 170 mil. Ao longo de 12 anos, trabalhou cerca de 140 meses para a PF. Pelas contas do próprio doleiro – imagine-se tais contas – trocou-se algo como US$ 746 mil.

Fouad disse ao procurador imaginar que a própria embaixada dos Estados Unidos o indicou para o honorável posto de conversor de dólares dos americanos para a polícia do Brasil. Afirmou ainda, e isso Berrêdo descreve em sua entrevista a CartaCapital, que fazia palestras para os funcionários do CDO.

Em seguida à entrevista de Carlos Costa, dada a perplexidade que declarações devastadoras como aquelas provocam, seria natural que, como se deu, cidadãos ansiassem por mais evidências, provas.

Nesse sentido, parecem ser implacáveis, definitivas, as entrevistas dos delegados José Roberto e Berrêdo nas páginas que se seguem. Um, o primeiro, viveu a história da CIA na Polícia Federal na própria pele. E pagou caro por isso.
O outro, Berrêdo, minuciosa e exaustivamente, recolheu as histórias, a história, as provas e a inexistência de amparo legal para tal parceria. Que já seria grave ainda que existissem acordos e convênios a resguardá-la. Um país, um Estado, não faz acordos, muito menos de submissão, com outro país. Muito menos com os Estados Unidos. E ainda menos com a CIA.

Quinta-feira 15, início da noite. O procurador Luiz Francisco envia ao diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, trechos do relatório final do delegado Rômulo Berrêdo, do doleiro Georges Fouad, encerrado pouco antes, e solicita o envio de “contas, recibos e despesas, realizadas desde 1988, com recursos oriundos da embaixada dos EUA”, em especial “os recebidos pelo CDO, atual COIE”.

Requer ainda o procurador “tombamento de bens obtidos com esses recursos” e, por fim, “recomenda” que a PF cesse “imediatamente de operar com o esquema de ‘caixa-preta’, ou seja, com recursos obtidos da embaixada dos EUA, ou de agências de investigação ou ligadas ao governo dos EUA...”. Por fim, o procurador solicita “abertura imediata de inquérito policial para apurar todos os fatos”.

A bem dos fatos, registre-se que quanto ao inquérito policial a própria polícia se antecipou. Com base na entrevista de Carlos Costa e nas edições 283 e 284, o diretor da PF, Paulo Lacerda, já ordenara a instauração de um inquérito policial.

O pedido de inquérito, datado de 7 de abril, é amplo. Abarca desde indícios de prevaricação à possível violação de soberania, e eventuais crimes na utilização de verbas. O pedido do procurador na noite da quinta e qualquer outro que seja feito nesse caso serão agregados. Recorde-se que um inquérito como esse só poderá ser arquivado por decisão da Justiça.

Comentário Politicamente (In)Correto

Passados 6 anos, nada de concreto foi feito e os traidores continuam trabalhando nos mesmos lugares, como diz a expressão, só mudaram algumas moscas.

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