sábado, 24 de abril de 2010

Mais das antigas revelações sobre as relações da PF e FBI/CIA

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SOBERANIA ZERO

Do Blog Polícia e Segurança

Imagine-se a Drug Enforcement Administration (DEA), uma das 19 agências policiais norte-americanas - esta de combate ao narcotráfico -, numa operação, na fronteira dos Estados Unidos com o México. Imagine-se que tal operação, de US$ 3 milhões, é totalmente paga pelo governo brasileiro. Imagine-se que 15% desses US$ 3 milhões doados pelo governo brasileiro são usados pela DEA para pagar diárias, passagens aéreas, hospedagens de seus agentes e delegados. Isso, óbvio, só pode brotar numa imaginação muito fértil. Já o contrário existe. No Brasil.
Na fronteira norte do Brasil está em curso, há um ano e meio, a Operação Cobra. Os Estados Unidos pagam os US$ 3 milhões da operação, realizada pela Polícia Federal do Brasil.

Como tem sido norma, diárias, passagens e hospedagens de agentes e delegados do Brasil são, ao menos parte delas, pagas pelos norte-americanos. O dinheiro é da DEA.
O delegado Getúlio Bezerra, chefe da CGPRE, a divisão de repressão a entorpecentes da PF, em entrevista a CartaCapital (na página 30), confirma:
- De fato, uns 12%, não chega a 15% desses US$ 3 milhões deles, são usados para passagens, diárias, hospedagens. Mas tudo planejado com eles...
"Eles", os norte-americanos da DEA. Três anos depois de uma série de matérias de CartaCapital sobre a atuação da DEA, e da CIA, como hóspedes e financiadores da porção mais secreta e sensível das ações da PF do Brasil, surgem provas concretas.
As provas não estão na confirmação de Bezerra às informações sobre detalhes financeiro-administrativos da Operação Cobra. As provas surgiram numa CPI, a do Narcotráfico.
O Banco Central, a pedidos, entregou à CPI toda a movimentação de entrada e saída de dinheiro do País, via conta CC-5, entre os anos 1996/1999. Em meio à movimentação, o elo financeiro, a simbiose entre a Inteligência dos EUA e a PF do Brasil.
São dezenas de remessas. No total, aproximam-se dos R$ 2 milhões nesse período. E não são remessas em nome da instituição Polícia Federal. É dinheiro repassado em nome dos titulares da divisão de repressão a entorpecentes.
O mecanismo: o dinheiro entrava via CC-5 e Citibank. Na embaixada americana, em Brasília, a NAS - outra das agências antinarcóticos dos EUA, e controladora das verbas também da DEA - fazia, e ainda faz, o dinheiro seguir.
Em cheques, o dinheiro chegava, e chega, à divisão de repressão a entorpecentes da PF e entrava, como ainda entra, numa conta aberta em nome do titular da divisão. Conta com a sub-rubrica da divisão e movimentada por mais de um delegado.
No caso dos documentos obtidos por CartaCapital, remessas para uma conta aberta em nome do atual chefe da divisão, Getúlio Bezerra dos Santos, e do seu antecessor, Marco Antonio Cavaleiro.

No total, entre 1996 e 1999, uns R$ 1 milhão e 200 na conta aberta em nome de Cavaleiro e uns R$ 800 mil em nome de Bezerra. Claro que o Tribunal de Contas da União jamais ouviu falar nisso.
Antes deles, vale recordar, à época dos titulares da DRE Paulo Magalhães e Sergio Sakon, o mesmo sistema era usado.
O Ministério Público dispõe do material, o mesmo que chegou atualizado a uma CPI mais recente, a do Futebol, no Senado.
Nesta semana, o deputado Walter Pinheiro (PT-BA) encaminha requerimentos de informações sobre o tema ao general Cardoso, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência e titular da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad).
O pedido de informações segue também para o ministro da Justiça, Miguel Reale, e à chefia da Polícia Federal.
São convidados a prestar esclarecimentos na Câmara, por solicitação de Walter Pinheiro, os ministros Cardoso e Reale, a chefia da PF e o ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer.
Cavaleiro deixou o cargo em 1999, exonerado depois de trombar com o então diretor-geral da Polícia, Vicente Chelotti. Desde então, Bezerra é o titular na Entorpecentes.
A briga entre Chelotti e Cavaleiro é a responsável pelo surgimento do elo financeiro agora. Na CPI do Narcotráfico, quando surgiram as movimentações via CC-5, um delegado, ligado a Chelotti, mirando em Cavaleiro enviou-as para o diretor da PF, Agílio Monteiro.
O ofício seguiu seu curso e hoje repousa num conjunto de documentos "classificados", leia-se secretos, no 2º andar do prédio-sede da PF.
Um dos documentos, o enviado a All Bryant, da Assuntos de Narcóticos, a NAS. É o ofício 719 da DRE/Coordenação Geral Central de Polícia, de 24 de março de 2000.

Neste documento, que se segue a um pedido de explicações do diretor da PF sobre a movimentação via CC-5, Bezerra pede a Bryant:
- Solicito indicar as destinações, se possível, bem como esclarecer se houve a comprovação de suas aplicações (prestações de contas).
A 17 de maio de 2000, John C. Mariz, diretor-interino da NAS, responde. A resposta é um atestado do uso correto das verbas repassadas a Bezerra e a Cavaleiro.
Aliás, o que se discute aqui não é a honestidade, que mesmo adversários de ambos não colocam em dúvida, e sim a subserviência da PF, do governo do Brasil, a verbas e interesses norte-americanos.
John Mariz atesta; atestado que já é um resumo desta ópera:
- As transferências constando da sua lista enviada através da divisão foram realizadas de acordo com as regras estabelecidas pelo acordo de cooperação entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo dos Estados Unidos para redução da demanda, prevenção do uso indevido e combate à produção e ao tráfico de entorpecentes.
Acordo esse de abril de 1995. Pelo Brasil, assinou o ministro das Relações Exteriores, Luís Felipe Lampreia. Pelo governo dos EUA, o então embaixador Melvyn Levitsky.

O acordo, renovado a cada ano desde um anterior, de 1986, é chamado de "Guarda-Chuva". É o que ele é. Um guarda-chuva que a tudo abriga e protege. O atual trata, genericamente, de projetos.
Projetos de repressão ao tráfico de drogas na Amazônia, de treinamento de agentes, de redução de demanda, do estabelecimento de unidades especiais e de apoio ao grupo especial de investigação. Em 2001, para tais projetos os EUA destinaram ao Brasil US$ 5 milhões e 792 mil.
Quando se chega à ingerência dos norte-americanos na PF, saca-se o acordo guarda-chuva como resposta. Uma resposta que será, sempre, incompleta.
Acordo ou convênio algum pode, sem ferir leis, autorizar a agência de um governo estrangeiro a depositar numa conta, em nome pessoal, de delegados da Polícia Federal do Brasil.
Não é possível que algum acordo, ou convênio, mesmo que secreto, autorize a DEA a pagar diárias, passagens, hospedagens de agentes e delegados da PF, além de financiar as operações.
Como outros de seus colegas ouvidos por CartaCapital, o procurador da República, Luiz Francisco Fernandes de Souza (leia na página 26), diz:
- Não pode, não pode. Essas transferências não podem ser feitas assim, de jeito nenhum, sem contar que isso afronta, pisa na soberania do País. Se alguém fizer apenas parecido nos Estados Unidos, é preso na hora, quem pagar e quem receber.
Chega-se agora às provas da movimentação financeira entre DEA e PF. Movimentação, como já assinalado, acobertada pelo tal guarda-chuva.
As provas, que chegaram também à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), vieram à luz no rastro da animosidade entre os delegados Chelotti e Cavaleiro.
A disputa entre ambos já tema de CartaCapital nas edições 92, 97 e 98, tinha, ao fundo, a presença norte-americana na PF.
Historicamente, ao longo das duas últimas décadas, a DEA opera com a Entorpecentes, por onde passou Cavaleiro. Já Chelotti, como diretor-geral, tinha próximo a si o Centro de Dados Operacionais (CDO), ligado à CIA.
O ex-CDO, hoje Serviço de Operações de Inteligência Policial (Soip), teve seu prédio construído, tijolo por tijolo, a partir da segunda metade dos anos 80, com dinheiro da CIA, via Departamento de Estado.

As primeiras duas dezenas de automóveis da PF no então CDO, inicialmente sob o comando do delegado José Antonio da Costa Mariz (o chefe da CIA se chamava Blocker), foram doação da CIA.
Automóveis, claro, em nome de terceiros. Hoje o Soip é chefiado pelo delegado Lawrence. Os delegados Mariz, Edson Resende, Wilson Damásio, Edson Oliveira, Mario José, no CDO ou em outras divisões da PF, trabalharam com os norte-americanos.
Nos anos 90, o CDO chegou a manter 15 escritórios no País. Desativou-os, mantinha quatro em 1999 (Belém, Cuiabá, Porto Velho e Brasília) e agora amplia novamente sua rede.
O Soip é regido pelo sistema de "informação compartilhada". Quem compartilha suas informações é a CIA.
Agentes que fossem trabalhar, que trabalhem no CDO, tinham, têm de passar antes por Washington.
Lá, não na sede da CIA, em Langley, Virgínia, mas em hotéis da capital, submetiam-se a testes no detector de mentiras. Informe-se que o mesmo sistema segue em vigor.
Dentre os que passaram por tal vestibular, citem-se os agentes Tadeu, Sérgio, Trindade, Ricardo, Lima, Paulo, os delegados Mário, José Roberto... Quem chefiou o então CDO ou trabalhou em conjunto com a CIA, passou pelo teste.
Do CDO, no início do governo Fernando Henrique Cardoso, dois agentes foram os executores do grampo telefônico que levou à queda do chefe do cerimonial do Palácio do Planalto, Júlio César Gomes dos Santos.

Naqueles dias, depois de obter uma ordem judicial, para investigação de um caso de tráfico de drogas (modus operandi habitual da CIA/CDO), a PF interceptou e gravou conversas de Júlio César com o presidente da República.
Nas conversas, além de temas mais, digamos, amenos, o presidente Fernando Henrique Cardoso e o embaixador Júlio Cesar trataram do assunto Sivam.
Projeto de US$ 1,4 bilhão, o Sivam opunha, na concorrência, franceses e norte-americanos. Recorde-se que Bill Clinton, o presidente dos EUA, ligou para FHC e pediu apoio ao projeto.
Enquanto Clinton tratava do assunto, a CIA, via informações e grampos compartilhados com o CDO, sabia do que e com quem o presidente do Brasil conversava ao telefone.
Esta história dos bastidores do escândalo Sivam é um ligeiro rememorar de fatos já relatados por CartaCapital.
À disposição no endereço eletrônico www.cartacapital.com.br.
Há quem não acredite nos fatos. Há quem não queira acreditar, como há quem os conheça e os negue. O que não se pode negar são os documentos oficiais. Ainda mais os reservados.
A seguir, CartaCapital trata de outros dois desses documentos guardados em gavetas reservadas dos serviços de inteligência e na Presidência da República.
Um deles é de 1985. O Brasil negociava o acordo de cooperação com os Estados Unidos, e a DEA. O secretário-geral do Ministério da Justiça, José Paulo Cavalcanti Filho, era um negociador brasileiro.
Cavalcanti estranhou que, além dos identificáveis homens da DEA, um expressivo número de agentes outros e militares dos EUA solicitavam visto.
Aquele era um tempo de dificuldades de acesso aos EUA e, reciprocidade diplomática, de acesso de norte-americanos ao Brasil. Diante da extensa lista de norte-americanos, Cavalcanti produziu um relatório reservado, endereçado ao presidente da República.
José Sarney recebeu o relatório. Nele, a suspeita de que militares dos Estados Unidos, valendo-se do tal guarda-chuva, infiltravam-se para chegar às questões da fronteira norte do Brasil.
O documento segue "classificado". José Paulo Cavalcanti, ouvido a respeito do documento manuseado por CartaCapital em Brasília, disse o que se deve dizer nessas ocasiões:
- Esse é um relatório reservado, não posso tratar deste assunto em público. Isso pertence à Presidência da República.
CartaCapital publica (confira na página 27) trechos de outro contundente, e decisivo, documento "classificado".
Decisivo para quem, ainda que crédulo, se dispuser a perceber qual é o teor das relações carnais entre a polícia, o setor de Inteligência do Brasil e representantes dos EUA.
O ofício 133/99 saiu do gabinete da Senad, assinado pelo então titular, Wálter Fanganiello Maierovitch, em 6 de maio de 1999. Foi endereçado ao general Alberto Mendes Cardoso.

O documento é um relato da atuação irregular de agentes norte-americanos no Brasil, da sem-cerimônia desta atuação e mesmo do desrespeito ao País.
Está relatado logo no início:
- ...frustradas tentativas... ...de manter e melhorar a cooperação internacional no enfrentamento do fenômeno das drogas.
Segue a descrição:
- Com exceção dos norte-americanos, todos os adidos das demais embaixadas contactaram com a Senad, aceitando parcerias e prestigiando o novo sistema.
Aguardava-se, à época, que James Derham, o encarregado de negócios, segundo homem na hierarquia da embaixada dos EUA, aceitasse a Senad.
Escreveu Maierovitch no relatório:
- "Lembrado da necessidade de representantes das agências DEA e CIA reportarem-se à Senad, recebe-se resposta de que comunicações eram feitas à Polícia Federal..."
No relatório é descrita a resistência, também, dos chefes da DEA, Pat Healy, e da CIA, Craig Peters Osth, de aceitar a movimentação no Brasil sob o comando da Senad.
Eles estavam, como estão ainda, acostumados apenas à espaçosa hospedagem na Polícia Federal. Recorde-se. Craig Peters Osth deixou o Brasil após a entrevista e presença na matéria de capa de CartaCapital edição 97.
Na edição seguinte, James Derham chegaria à capa com o desabafo feito na embaixada da França, após a decisão pela saída de Osth:
- O dinheiro é nosso, as regras são nossas.
Derham, por conta de tanto, também teve de deixar o Brasil. No relatório ao general Cardoso, Maierovitch descreve um constrangedor embate dentro do próprio Palácio do Planalto:
- ...James Derham trocou a costumeira urbanidade por trato marcado por linguajar desabrido. Encontrando, por acaso, este Secretário Nacional na porta de ingresso do elevador do Palácio do Planalto, começou a externar inconformismo e, tomado pela exaltação da sua tese de que só devia satisfações à Polícia Federal diante do estabelecido no acordo, passou a bramir, tendo sido com urbanidade advertido de que estava a faltar com o devido respeito e que vitupérios não seriam aceitos. Foi, também, advertido de que a conversa, pelo seu estado de descontrole emocional, estava encerrada.
Esses são os fatos. Este último, dentro do Palácio do Planalto, dois andares abaixo da sala do presidente da República.
E há quem ainda considere trivial, natural, um governo estrangeiro financiar atividades, ações, gestos e atos da Polícia Federal do Brasil.
Naqueles dias ainda havia resistências. A da Senad é o maior exemplo. Já se discutia ali outro programa norte-americano, a Task Force, um conceito defendido pelo FBI e pela Procuradoria dos Estados Unidos.
O programa prega a atuação conjunta de polícias, procuradores, bancos, na prevenção e repressão ao tráfico de drogas e ao crime organizado.
Tudo perfeito. Não fossem, mais uma vez, os patrocínios, no caso via FBI, e a monitoração dos caminhos.
Na quinta-feira 11, por exemplo, reuniram-se em Tabatinga, fronteira com a Colômbia, representantes dos países andinos.

Encontro do Idec, organização à qual é ligado o conceito da Task Force. Em Tabatinga, presente a DEA. O delegado Bezerra, na entrevista a CartaCapital, conta:
- Nós somos independentes. Neste encontro do Idec tem países, como o Suriname, que chegam aqui no avião da DEA.
Passaram-se três anos desde quando discutia-se a Task Force, a força-tarefa. De lá para cá o FBI conseguiu autorização para instalar um escritório no Brasil.
Desde então, multiplicam-se as palestras patrocinadas pelo FBI Brasil afora.
Há um mês o encontro foi em Salvador. Desta segunda-feira15 à sexta-feira 19, acontece em Curitiba o Seminário Internacional de Prevenção e Repressão à Lavagem de Dinheiro e à Corrupção na Administração Pública.
Os organizadores anunciam a presença do governador Jaime Lerner, do ministro da Justiça, Miguel Reale, da corregedora-geral Anadyr Mendonça, e palestras inúmeras.
Getúlio Bezerra, da PF, vai falar. Como falarão, todos os dias, os senhores do FBI, Richard Boscovitch, Richard Cavalieros e Rodney A. Morgan.
Para se entender melhor a história e a correlação de forças. As 19 agências norte-americanas disputam, no Congresso dos EUA, verbas, espaços, e têm satisfações a dar.

Se forem menos eficazes, perdem verbas. O que significa menos empregos. Como já não há comunistas, e só agora o terrorismo retorna como inimigo de grandes proporções, as agências dedicaram-se, nos últimos anos, ao combate ao narcotráfico.
As ações se ampliam mundo afora. O Brasil é apenas mais uma base e laboratório. Juntos, DEA, CIA e FBI manejavam há três anos um orçamento superior aos US$ 40 bilhões (atenção, bilhões de dólares).
Imagine-se quem a Polícia Federal hospeda. Em troca de patrocínio às suas operações mais sensíveis e secretas. Em troca de um adjutoriozinho para passagens, diárias, hospedagens.
Ah, mas tem o acordo de cooperação!
Então, tá.
Em tempo: a Polícia Federal do Brasil, por falta de dinheiro, deve R$ 21 milhões na praça. De restos a pagar do ano 2001.

Um comentário:

  1. DIGA-SE, DE PASSAGEM, QUE NAO DUVIDO NADA QUE MUITO DINHEIRO ( DOLAR) AQUI ENVOLVIDO, TENHA TIDO COMO DESTINO FINAL A CONTA PESSOAL DE ALGUMA AUTORIDADE POLICIAL BRASILEIRA. SE NAO ACONTECEU ISSO É POR QUE NAO FOI NO BRASIL.

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