domingo, 13 de setembro de 2009

As quase ciências criam mitos e conceitos que são assumidos e depois.....

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As quase ciências criam mitos e conceitos que são assumidos por alguns profissionais como se fosse verdadeiros, depois, para eliminá-los é uma dificuldade......

Para os seres humanos, a conceituação de raça serve apenas para os religiosos e os racistas (notem que não me referi a religião específica, mas todo o judaismo cristão se baseia no nós e nos outros). Há muito a ciência de verdade descontruiu o conceito de raça que, surgiu razões políticas, econômicas e sociais no Sec. XVIII e se consolida no Sec. XIX, foi umna estrtatéfga meramente para justificar o colonialismo e a escravidão.

Porém, o termo raça até hoje é erroneamente usado por alguns profissionais, como veterinários e outros, que insistem em rotular a variedade genética como "raça", seja de cães, gatos, cavalos.

Agora, ver médicos repetindo essa bobagem e tendo eco na imprensa, ai já é demais. Isso foi o que achou o
Prof. Sergio Danilo Pena e que o levou o a escrever esse artigo.

Na coluna Deriva Genética da revista Ciência Hoje online, há um interessante artigo-crítica, do uso do termo raça por jornalistas da folha de São Paulo:
Colunista da revista Ciência Hoje desconstrói textos que reforçam visão de negros como categoria biologicamente distinta.

Do pensamento racial ao pensamento racional por Sergio Danilo Pena
Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia
Universidade Federal de Minas Gerais


Em 26 de junho de 2009, a Folha de S. Paulo, um dos maiores e mais importantes jornais do Brasil publicou na página de Saúde uma reportagem com a chamada: “Negros fumantes têm cinco vezes mais risco de câncer – Pesquisa da Unicamp analisou 464 pessoas, 200 delas com câncer de pulmão – Hipótese é que mutação genética seja capaz de potencializar a ação dos componentes com potencial carcinogênico do cigarro”.

Levei enorme susto! Afinal, a Folha tem, ao longo dos anos, valorizado o emprego da racionalidade no dia a dia social e político e tem se oposto consistentemente a toda forma de preconceito e discriminação.

Por exemplo, quando foi publicado no finalzinho de 2002 o nosso trabalho – agora um clássico – sobre cor e ancestralidade em brasileiros, a Folha elogiosamente publicou um editorial – texto que, por definição, apresenta o ponto de vista do jornal ou da empresa jornalística sobre uma questão – no qual se afirmava:

“O que o trabalho de Parra e Pena faz é mostrar, com um bom nível de evidência, que as características que entendemos socialmente como "de negros" não guardam correlação estatística com a presença de genes inequivocamente africanos.[...] As evidências científicas de que a espécie humana é singular e de que não faz sentido falar em raças constituem apenas um aspecto da luta contra o racismo. O fenômeno é paradoxal: não há raças em nível genético, mas elas existem em nossas mentes, e isso basta para que ganhem concretude social, possibilitando manifestações espúrias como o racismo. Por vezes, os piores inimigos do homem são suas próprias fantasias.”

Bravo! Mas a reportagem de junho não se alinhava com essa postura. Intrigado, suspeitando que a mão esquerda da Folha talvez não estivesse sabendo o que a direita andava fazendo, fiz algo fora do meu estilo: enviei no mesmo dia por e-mail uma carta ao editor, com cópia para o ombudsman, dizendo:

“Senhor editor, Estou escrevendo sobre o artigo “Negros fumantes têm cinco vezes mais risco de câncer”, que aceita e propaga a ideia errônea de que os negros constituem uma categoria biológica diferente dos brancos. A matéria ignora os muitos estudos científicos publicados pelo nosso grupo de pesquisa e outros, mostrando que no Brasil a correlação entre cor e ancestralidade genômica é tênue. É lamentável que um dos maiores jornais brasileiros publique algo tão cientificamente errado e socialmente preconceituoso."

Observem que não entrei no mérito da pesquisa médica em tela, mas me concentrei na apresentação jornalística. De qualquer maneira, para meu dissabor, a carta foi completamente ignorada.

Pois bem, eu ainda estava cicatrizando minha ferida narcísica quando a Folha repetiu a dose em 10 de julho com a notícia “Negro morre mais de câncer de mama, próstata e ovário – Estudo acompanhou 19.457 afroamericanos e brancos que tiveram tratamento igual, sem variáveis socioeconômicas – Segundo especialistas, não é possível saber se a situação se repete entre brasileiros; no país, não foram feitas pesquisas do mesmo tipo”.

Decidi então escrever esta coluna para discutir o problema levantado pelos artigos da Folha.

O que significa ser “negro” no Brasil?

Para estabelecer uma base objetiva de conversa, devemos examinar o que pode ser chamado de “etnossemântica brasileira”. Primeiro, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base em autodeclaração, usa apenas os termos branco, pardo e preto como categorias estruturais. O que então vem a ser “negro” no Brasil? No seu livro Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica, Edward Telles explica que a expressão apareceu em documentos oficiais do Ministério da Justiça pela primeira vez em 1996, para englobar as categorias preta e parda do censo, aparentemente com a intenção de tentar convencer o órgão a mudar sua classificação. O IBGE resistiu com sucesso a essa ingerência.

O problema é que não faz nenhum sentido (exceto talvez um sentido político, que é um oximoro) tentar englobar pardos e pretos como uma única categoria de cor. Primeiro, o próprio Telles, no mesmo livro, escreve o seguinte a respeito de “pardo”: “Esse termo [...] também pode incluir outras categorias como os caboclos, isto é, indígenas aculturados ou pessoas com ascendência predominantemente indígena”.

Segundo, a questão é passível de análise científica. Em 2007, em colaboração com Guilherme Suarez-Kurtz, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), fizemos um estudo de ancestralidade genômica de 336 indivíduos da cidade do Rio de Janeiro, dos quais 107 eram autoclassificados como brancos, 119 como pardos e 109 como pretos, segundo as categorias do IBGE. Os resultados estão na tabela ao abaixo.



Salta aos olhos que a ancestralidade africana dos indivíduos pardos (0,236) é intermediária entre a dos brancos (0,069) e pretos (0,509), estando de fato mais próxima dos primeiros do que dos últimos. Assim, pela análise desta amostra, não há qualquer fator que justifique a agregação proposta de pardos e pretos em negros.

O problema da biologização das diferenças humanas

A primeira classificação racial “científica” da humanidade foi feita pelo naturalista sueco Carl Linnaeus (1707-1778) na edição de 1767 do seu Systema Naturae (“Sistema da natureza” – ver figura abaixo). Linnaeus distinguiu quatro raças e qualificou-as de acordo com o que ele considerava serem as suas características principais:
  • Homo sapiens europaeus: Branco, sério, forte
  • Homo sapiens asiaticus: Amarelo, melancólico, avaro
  • Homo sapiens afer: Negro, impassível, preguiçoso
  • Homo sapiens americanus: Vermelho, mal-humorado, violento
Observem que Linnaeus atribuiu o status de subespécie às raças humanas, enfatizando a sua distinção biológica. É como se estivéssemos tratando de uma taxonomia “natural” da humanidade. Além disso, deu a elas uma associação de traços típica e fixa. Por exemplo, realmente havia a expectativa de todos os europeus serem “brancos, sérios e fortes”. A equivocada biologização das diferenças “raciais” foi disseminada e aceita, ao ponto de alguns naturalistas do século 19 proporem até que as raças humanas eram, na realidade, espécies diferentes! Entre eles, destaca-se Ernst Haeckel (1834 -1919), um famoso e influente biólogo evolucionista alemão abordado em uma coluna anterior. Na perspectiva essencialista ou tipológica, a raça é vista como um elemento inerente e fundamental que define holisticamente a pessoa. Nesse paradigma, o indivíduo não pode simplesmente ter a pele mais ou menos pigmentada, ou o cabelo mais ou menos crespo – ele tem de ser definido como “negro” ou “branco”, rótulo determinante de sua identidade. A pigmentação da pele e outras características superficiais, em vez de serem corretamente percebidas como pouco relevantes, sinalizam profundas diferenças entre as pessoas. Esse tipo de associação fixa entre características físicas e psicológicas absolutamente não faz sentido do ponto de vista genético e biológico! O genoma humano tem cerca de 20 mil genes e sabemos que poucas dúzias deles controlam a pigmentação da pele e a aparência física dos humanos. Está 100% estabelecido que esses genes não têm influência sobre qualquer traço comportamental, intelectual ou físico, incluindo a predisposição a câncer de pulmão ou qualquer outro câncer. A humanidade moderna emergiu uma única vez, na África, há menos de 200 mil anos. Assim, a história evolucionária humana é bem curta e a distribuição mundial de características genéticas é principalmente devida à dispersão, com um papel importante de deriva genética por efeitos fundadores sucessivos e seleção por adaptação a ambientes geográficos. Basicamente, a diversidade genética observável na Europa, Ásia, Oceania e nas Américas é meramente um subconjunto da variação encontrada na África.

Como bem disse o geneticista sueco Svante Pääbo, em uma perspectiva genômica somos todos africanos, morando na África ou em exílio recente de lá. Europeus são genealogicamente derivados de africanos e não há diferenças biológicas entre eles. Seja por que motivo for, tratá-los como sendo de espécies, subespécies ou “raças” diferentes é contribuir para racismo e discriminação! Há poucos dias chegou às livrarias o brilhante livro do Uma gota de sangue – história do pensamento racial, do sociólogo Demétrio Magnoli. Com argumentação histórica e sociológica que complementam os argumentos científicos que abordei no meu livro Humanidade sem raças?, a obra desconstrói as crenças em raças e na eficácia das cotas raciais. Recomendo sua leitura a todos. Deve ser tomado um infinito cuidado para evitar afirmativas desastrosas e errôneas sobre a cor e ancestralidade do brasileiro pelo perigo de reavivar ideias agora defuntas que, no passado, ajudaram a estabelecer e propagar teorias racistas. Vamos acrescentar duas letras ao pensamento racial e transformá-lo de uma vez por todas em pensamento racional!
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