quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Sarney, 23 anos atrás

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Colaboração do NG com Y.

Um homem virado pra Lua

Carlos Eduardo Novaes, no Jornal do Brasil

Ninguém se surpreendeu tanto com a posse de José de Ribamar, o Sarney, na Presidência da República, quanto sua genitora, com todo respeito. Ela já havia deixado, há tempos, de acompanhar as peripécias políticas do filho:

– Zezinho sempre foi muito inconstante – declarou em uma entrevista de 1978. – Desde pequeno estava sempre querendo mudar de escola, de cidade, de namorada. Fez política estudantil na UNE, depois foi para o PSD, depois para a UDN, depois se juntou aos militares. Nunca sei de que lado ele está!

Garoto ainda Zezinho só mostrava constância na sua vaidade. Saía sempre com a roupinha limpa e passada, sapato engraxado, bigodinho aparado – pouca gente sabe, mas Sarney tem bigodes desde os quatro anos de idade – e o cabelo impecavelmente penteado. Seu grande ídolo era Ronald Reagan. Não que o considerasse um bom presidente, mas como ator Reagan tinha a capacidade de cair do cavalo e brigar com os índios sem despentear os cabelos. Zezinho passava horas diante do espelho. Dizem que uma vez chegou a perguntar: "Espelho meu, existe alguém mais sortudo do que eu?".

A mãe não escondia sua preocupação:

– Filho, a vida não é só ficar se penteando diante do espelho. Você precisa pensar no futuro. Assim você não será nada na vida!

Zezinho ainda cursava direito quando a genitora arranjou-lhe um empreguinho em uma banca de advogados. Não acreditava que o filho fosse capaz de se virar por conta própria. O que se pode esperar de um garoto que nasce em Pinheiro, interior do Maranhão, mora em Codó, depois Coroatá, depois Balsas e vive se penteando diante do espelho? Zezinho se formou em bacharel e logo se bandeou para o jornalismo, o que valeu um comentário da genitora: "Ainda por cima não sabe o que quer!". A velha senhora – com todo respeito – confirmou suas suspeitas ao ver seu Jose de Ribamar trocar a imprensa pela política, entrar para o PSD, pular para a UDN e daí – com o golpe militar – para a Arena.

– Vê se sossega Zezinho!

– Pode deixar, mãe. Enfim encontrei meu partido.

No dia em que Sarney foi eleito presidente da Arena sua mãe ergueu os braços aos céus. O filho tinha ido muito além do que ela podia imaginar. Quando da reforma partidária – a Arena virou PDS – Sarney foi pessoalmente tranquilizar a mãe:

– Antes que a senhora fale da minha inconstância deixe-me explicar que não mudei de partido: o partido é que mudou de nome. Continuo cada vez mais fiel aos meus ideais!

Passaram-se os anos e com Zezinho alinhado aos militares sua mãe acreditou que ele afinal encontrara sua identidade política no partido do governo. Soube inclusive através de uma prima, da oposição tenaz que o filho moveu contra as diretas. Assim, meses depois não se surpreendeu quando foi informada de que Zezinho era candidato à Vice-Presidência da República. Entendeu a candidatura como um prêmio dos militares à posição inflexível do filho a favor das indiretas. Mandou um telegrama:

"Fico muito feliz, filho. Informe nome general candidato à Presidência".

Sarney viajou a São Luiz para explicar tudo direitinho, com muito cuidado à genitora. Disse que não estava mais do lado dos generais, que tinha tido um desentendimento com o João, que quiseram desmoralizá-lo, que...

– Você não toma jeito hein Zezinho!

Zezinho desfiava intermináveis explicações para a mãe que se limitava a balançar a cabeça – "sei, sei" – com uma expressão de profundo tédio. Por fim Zezinho contou que agora estava no PMDB.

– Qual PMDB? – a velha assustou-se – Aquele partido que você criticou por quase 20 anos? Como é que você joga fora essa longa amizade com os militares, filho? Não lhe eduquei para você passar a vida pra lá e pra cá. Agora vai ter que começar tudo de novo!

– Estou sempre pronto a recomeçar, mãe.

A velha senhora viajou a Brasília para prestigiar a posse do filho na Vice-Presidência e quase desmaiou ao entrar no Congresso e ver Zezinho recebendo a faixa de presidente da República. Ela que levou a vida inteira criticando o filho por sua inconstância percebia naquele momento que graças ao temperamento de camaleão, Zezinho saltou da presidência do PDS para a da República em menos de um ano.

– Sabe, filho? Estou pensando em mudar de vida. O que você me aconselha?

(Transcrito do livro ‘Na Republica do Jerimum’ – Ed. Nórdica, 1986 ! ! ! ! – uma coletânea de crônicas sobre a eleição de Tancredo Neves, sua morte e a ascensão de José Sarney, seu vice, à Presidência da República)


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