segunda-feira, 20 de setembro de 2010

2010 e o aquecimento global

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2010, o ano mais quente da história?

Por Marcelo Leite para a Folha Online

A esperteza --para não dizer coisa pior-- dos "céticos" ou "negacionistas" da mudança do clima não tem limites. O negócio deles é semear a dúvida, lançar suspeitas e espalhar desinformação, mesmo que isso implique destruir a confiança na própria ciência.

Um de seus argumentos é que o aquecimento global estaria virando desaquecimento global. Afinal, a temperatura média da troposfera (a camada mais baixa da atmosfera) não aumentou desde 1998, o ano mais quente no registro histórico. E se 2010 bater o recorde de 1998?

Nada mudará na estratégia provocadora dos negacionistas. Como sempre fazem, ignorarão o dado que lhes seja desfavorável.

Eles passarão para o próximo "argumento". Por exemplo, que não é possível apurar uma grandeza como a temperatura média da atmosfera, ou que o tratamento estatístico dos dados é manipulação, ou que a atividade solar é a verdadeira causa do aquecimento, não os gases do efeito estufa. São incorrigíveis.

Pois bem: há boa chance de 2010 se tornar, de fato, o ano mais quente de todos os tempos, ou melhor, desde que se iniciaram as medidas em escala planetária.

Não houve outro período janeiro-agosto mais quente que o deste ano. E isso numa fase de atividade mínima do Sol, em que a radiação solar pouco contribui para esquentar a atmosfera além do usual.

A única dúvida é se o período La Niña que está abrindo terá um efeito resfriador forte o bastante para contrabalançar a alta da temperatura. O mais provável é que 2010 termine em empate técnico com 1998 e com 2005 (instituições de pesquisa americanas e britânicas divergem sobre qual dos dois anos detém o recorde).

De todo modo, o que os negacionistas sempre omitem é que a década de 2000-2009 foi a mais quente jamais registrada. Pouco importa se 1998 ou 2005 detêm o recorde com alguns centésimos de grau a mais. O que interessa é a tendência, como a que fica evidente no gráfico abaixo.


Divulgação

A linha azul mostra a variação da temperatura média, mas com o truque estatístico - no bom sentido - das médias móveis, para silenciar a sazonalidade típica do clima: cada ponto da curva assinala a média dos 12 meses anteriores, de modo que todas as estações do ano estão representadas em cada valor. A fonte é o Instituto Goddard de Estudos Espaciais, da Nasa.

Na parte mais baixo do gráfico, a linha oscilante marca episódios de El Niño (vermelho, para indicar sua contribuição de aquecimento) alternados com os de La Niña (azul, para resfriamento). Entre as duas curvas, os triângulos verdes indicam episódios importantes de erupções vulcânicas, que também contribuem para resfriar a atmosfera.

O que qualquer um pode enxergar com os próprios olhos é um aquecimento evidente. Só não vê quem não quer, ou quem é pago para jogar areia nos olhos dos outros.

Os últimos meses foram marcados por fenômenos meteorológicos extremos: seca no Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, onda de calor mortífero na Rússia e no leste da Ásia, enchentes no Paquistão, avalanches de lama na China.

Todos esses eventos são coerentes com as previsões dos modelos de computador que projetam os efeitos da mudança do clima por força do aquecimento global.
No rigoroso inverno 2009-2010 do hemisfério Norte, os negacionistas deitaram e rolaram na neve. Espalharam aos quatro ventos que o frio intenso era prova da balela do aquecimento global (diga-se de passagem, as nevascas não são incompatíveis com as previsões sobre a mudança do clima). O que os "céticos" têm a dizer agora?

Nada. Mais vale, para eles, insistir na confusão corriqueira entre tempo (meteorologia) e clima. Se neva muito, o aquecimento global é uma mentira, assegura sua lógica simplista, que o senso comum tende a aceitar por seu valor de face.

O clima da Terra sempre terá variações regionais. Mesmo com o aquecimento global, algumas áreas do globo poderão resfriar-se, seja na média de vários anos, seja num único ano.

Mudança do clima não quer dizer que Moscou terá ondas de calor todos os anos, mas que eventos como esse - em locais que não se pode prever a cada ano --se tornarão mais frequentes no planeta como um todo. Em 2003, a onda de calor foi na Europa Ocidental, e milhares de idosos morreram em Paris.

É o que se pode vislumbrar neste terceiro e último gráfico:

Os mapas mostram com cores quanto a temperatura de superfície se desviou da média histórica, durante o período janeiro-julho, nos anos recordistas de 2010, 2005 e 1998. Os tons de azul em direção ao roxo indicam queda. Do amarelo ao marrom, aquecimento.

Fica mais ou menos óbvio, mesmo para o olho destreinado, que a área com temperaturas anormalmente altas é bem maior. Há pouco azul nos mapas, indicando que houve regiões onde o aquecimento global --supondo sempre que essa de fato tenha sido a causa das anomalias-- trouxe temperaturas mais baixas naqueles anos. Mas foram poucas.

A tendência geral do clima se dá na direção do aumento das temperaturas. Nos três anos recordistas. Em toda a década, ela também recordista.

Pensando bem, a esperteza dos "céticos" encontra barreiras, sim. Seu limite está na nossa própria capacidade de buscar a melhor ciência, contornar as armadilhas do senso comum e pensar com a própria cabeça. Quem se arrisca?

Um comentário:

  1. Apenas de curiosidade: alguém já calculou as emissões decorrentes dos dois aviões do JN que ziguezaguearam aleatoriamente nos céus do Brasil nas últimas semanas?
    Um descida(ou subida) Estado a Estado (sem vai e volta) não seria uma solução mais ambientalmente recomendada? Isso não resolvee o problema das Mudanças Climáticas - certamente - mas estimularia que cada um faça a sua parte.

    Roosevelt

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