quinta-feira, 20 de maio de 2010

Antropologia nada séria

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A publicação da revista Veja com o título de "A farra da antropologia oportunista", causou "frisson" entre os antropólogos e sociólogos.

Houve uma chuva de críticas em blogs, sites e similares, mas em nenhum deles, os fatos apresentados foram desmetidos ou questionados com base documental. Também não vi nenhum dos mencionados indicar que vai processar a revista, que pelo jeito está bem resquardada por documentos e outros comprovantes das acusações.

Concordo que a Veja não é uma revista das melhores, é tendenciosa, defende fortemente os interesses de seus proprietários, amigos e de alguns anunciantes. Vou mais longe, o país está carente de uma publicação indepente e menos ligada a grupos, sejam quais forem.

Mas a reportagem deixa claro que FUNAI e organizações para-governamentais (intituições privadas que hoje dependem totalmente das verbas governamentais), transformaram o reconhecimentos dos chamados "povos tradicionais" e as terras associadas a eles, numa verdadeira zona.

Mas não é a primeira vez que as farsas organizadas pelos antropólogos é mostrada.

Já em 2007, a Revista da História, uma publicação da Biblioteca Nacional, mostrou que os métodos de reconhecimento de "povos tradicionais" e respectivas cedência de terras, seguem métodos nada científicos e de cunho mais político e ideológico que técnico. Lembrando que a Revista da História e a Biblioteca Nacional, não podem ser chamadas de tendenciosas, facistas, vendidas e outros termos com que a revista Veja tem sido adjetivada.

Assim, gostando ou não, a antropólogos brasileira, como profissão, teve sua imagem comproimetida. Como pretensa ciência então, perdeu completamente a credibilidade. Mas ciência de verdade é cartesiana e isso, não é para qualquer uma.

ETNIA, PRÁ QUE TE QUERO

REVISTA DE HISTÓRIA – BLIBLIOTECA NACIONAL - no 18 – ano 22 – março de 2007

por Lorenzo Aldé

Jornalista e mestre em saúde pública pela Fiocruz e Autor dos artigos "FLORESTA EM RETALHOS" e "HERÓIS DA RESISTÊNCIA" In: Corrêa, Marcos Sá (Org.) Sinais da Vida: Algumas Histórias de quem Cuida da Natureza no Brasil. Fundação o Boticário de Proteção à Natureza, 2005.

Curiosos podem ser os caminhos para o nascimento de um povo. O maculelê foi a inspiração dos Tumbalalá para designar sua etnia, oficialmente reconhecida em 2001. Tumbalalá é uma variação de “tumba lá e cá”, canto de capoeira tradicional que acompanhava a dança de origem africana, marcada com bastões e executada apenas por homens. Animando festas profanas em Santo Amaro da Purificação, terra de Caetano Veloso, o maculelê tinha seu grande momento no dia 2 de fevereiro, data de Nossa Senhora da Purificação, padroeira da cidade, em que os negros celebravam sua orixá Iemanjá. O canto foi popularizado para o país por Toquinho e Vinicius de Moraes, autores de Maria vai com as outras, canção cujo refrão evocava a tradição da capoeira: “Tumba ê, canção/ Tumba lá e cá/ Tumba ê, guerreiro/ Tumba lá e cá/ Tumba ê, meu pai/ Tumba lá e cá/ Não me deixe só”.

Apesar das referências negras que cercam o nome escolhido por eles mesmos, os Tumbalalá são na verdade índios. É o que garantem estudos antropológicos que ajudaram a fazer a ligação longínqua entre aquele grupo de sertanejos da caatinga e os índios cariri, aldeados pelas Missões que se espalharam pelo Vale do rio São Francisco no século XVII. De lá para cá, as vilas e aldeias da região, conhecida como sertão de Pambú, foram povoadas por portugueses, negros, criadores de gado e toda sorte de gente na mistura típica do interior do país. Ugo Maia de Andrade, cuja tese de mestrado em Antropologia Social na USP é dedicada aos Tumbalalá, define a ocupação histórica daquele sertão como uma “babilônia étnica, que colocou lado a lado, em um complexo e tenso campo intersocial, pessoas e instituições com interesses e estilos culturais os mais diversos” (Enciclopédia dos Povos Indígenas, em www.isa.org.br).

Se são fruto de tamanha mistura, o que faz dos Tumbalalá genuinamente índios? Ainda segundo Ugo Andrade, a credencial é o ritual religioso do Toré, em que a comunidade se relaciona com os “encantados”, seres sobrenaturais que interferem na vida cotidiana. Foi o suficiente para fazer nascer a nova tribo, que reúne entre 180 e 400 famílias e aguarda a demarcação de suas terras.

Diversas situações parecidas vêm sendo detectadas por antropólogos, em especial ao longo da bacia do São Francisco, no sertão nodestino. Em comum, essas comunidades falam português, trabalham na agricultura ou pecuária, são bastante miscigenadas e possuem resquícios de costumes indígenas, como o Toré. Invariavelmente é gente pobre, para quem o status de índio e um lugar para morar e produzir, mesmo que coletivo, representam uma proteção do Estado que até então não conheciam. E não só do Estado. Projetos de ongs e universidades também revertem em benefícios aos seus objetos de trabalho e estudo, ou seja, às comunidades que decidem adotar uma identidade perdida.

A população nas Terras Indígenas cresce a taxas bem superiores do que a média nacional (3,5% ao ano, contra 1%). De acordo com o IBGE, entre 1991 e 2000 a população de índios no Brasil aumentou 150%, o que só se explica pelo fenômeno da autodeclaração no Censo mais recente.

O fenômeno de ressurreição cultural não é privilégio dos grupos indígenas. As minorias étnicas estão mais vivas, e visíveis, do que nunca.

Os povos quilombolas parecem decididos a reconquistar a parte que lhes cabe no país. Não há informações consolidadas, mas estima-se que existam cerca de mil comunidades assim auto-intituladas. Nos últimos anos explodiu o número de processos para a demarcação de suas terras junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

No campo ambiental, o poder das minorias se traduz pelo conceito de “povos tradicionais”, aqueles cuja suposta relação harmônica com a natureza é promessa de desenvolvimento sustentável. No Plano Nacional de Áreas Protegidas, lançado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2005, índios e quilombolas são as grandes estrelas da conservação da natureza. Nas 89 páginas de metas e projetos planejados para os próximos 15 anos, eles são citados 156 vezes (fauna e a flora não receberam, juntas, mais do que 8 lembranças).

Foi também a área ambiental do governo que articulou, ao lado do de Desenvolvimento Social, a criação da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. A idéia é implementar políticas específicas para grupos não-urbanos com uma cultura própria. Dois anos depois de criada, a Comissão já representa 15 diferentes identidades. Além de índios e afro-descendentes, tem ribeirinhos, pantaneiros, caiçaras, faxinalenses, fundos de pasto, geraizeiros, seringueiros, quebradeiras de coco babaçu, ciganos, pomeranos, entre outros. Em sua reunião de 2006, a Comissão estimou que os “povos tradicionais” somam 4,5 milhões de pessoas e ocupam 25% do território nacional.

Parecem boas notícias. Finalmente o Brasil dá voz e enxerga o rosto verdadeiro de seus excluídos, num processo de valorização das culturas tradicionais e fortalecimento da auto-estima desses grupos. Mas... será que o país mudou da noite para o dia? Como explicar esse fenômeno à luz da História? A questão é tão simples assim?

Historiadores, antropólogos e ecologistas têm lá suas dúvidas, a começar por essa história de opor “brancos” a outras “etnias”. Eis por que é preciso recorrer a tantas aspas ao falar de “etnias”, “povos” e “comunidades tradicionais”. Esse movimento de sublinhar diferenças entre “nós” e “os outros” ecoa a controvérsia ainda não resolvida sobre as políticas compensatórias destinadas aos afro-descendentes. As chamadas cotas raciais causam arrepios em muitos pesquisadores sérios, que nelas pressentem uma ameaça à cidadania universal, a partir de políticas que segregam os indivíduos com base na cor de sua pele. Seria uma espécie de racismo de Estado, como argumentou um manifesto contra as cotas assinado por 114 intelectuais, políticos e artistas em maio do ano passado. Privilegiar as demais “minorias étnicas” parece um caminho na mesma direção.

Em um país miscigenado como o Brasil, que critérios definem a existência de etnias e povos independentes, merecedores de tratamento especial por parte do Estado? Alguns exemplos ajudam a mostrar como podem ser fluidos esses parâmetros.

Hoje a cultura é uma opção”, resume o economista Roberto Monte-Mor, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele vem coordenando estudos sobre o modo de vida do povo Xakriabá, do norte de Minas, e identifica a relação custo-benefício embutida na escolha da identidade indígena. Seu Agenor, por exemplo, um dono de pousada em São João das Missões e proprietário de fazenda nas redondezas, fica surpreso ao ver alguns de seus conterrâneos reivindicando terras em nome da etnia Xakriabá. “Sou mais índio do que muitos desses aí”, costuma dizer. Mas para ele a opção não vale a pena. “Para seu Agenor virar índio tem que pagar um preço. Vai ter que viver na reserva e abrir mão de liberdades individuais em função do coletivo”, explica Monte-Mor.

A miscigenação ainda é regra na região inspiradora do Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa. Ali convivem caboclos que se enfiam no mato para evitar qualquer contato com gente, ao lado de Xakriabás que rodam o Brasil de motocicleta e estão plenamente inseridos na sociedade formal. Para o olhar de economista, a situação é um prato cheio. “Há um hibridismo entre cultura tradicional, não-capitalista, convivendo com a capitalista. Recentemente, trouxe dois jovens para falar com a turma de Economia da faculdade. Um rapazinho era tipicamente indígena, no biotipo e no jeito de se vestir, tinha um pai plantador de cana e usava botoque. O outro, apesar de ter passado a vida na reserva, nunca usou nenhum adereço indígena. Pois o primeiro mostrou-se muito mais articulado, revelou uma cabeça de economista. É o que dizem: quem é mais brasileiro, Carmen Miranda ou Tom Jobim?”, questiona.

Para Monte-Mor, a apreensão do que é a cultura indígena e a decisão de quem pode ser chamado índio são tarefas muito complicadas para nós. “Essas histórias são sempre mais complexas do que parecem à primeira vista, principalmente no caso dos ‘índios misturados’. A situação histórica ambígua e híbrida — talvez como os ciganos, em parte — faz de cada caso um caso diferente. Ser índio e poder ser índio na vida cotidiana podem ser coisas diferentes, dependendo do local e da época. Meu contato com os antropólogos me diz que nossos esquemas racionais e cartesianos não funcionam muito bem nesse universo. A dimensão mítica e comunitária é muito forte e a lógica econômica não rege o ‘modo de produção’ deles, que não é capitalista; as lógicas dominantes entre eles são ideológicas e sociais, inclusive como fonte de poder. Ter dinheiro não garante qualquer poder, há que ter legitimidade”, pondera.

A prevenção ao etnocentrismo no trato com outros povos (“Esqueça os brancos”) é característica da antropologia cultural. Por isso mesmo soa estranho que especialistas afeitos aos princípios da relativização e da complexidade cultural estejam endossando a existência de novas etnias com tanta facilidade. “A princípio seria um motivo de orgulho nacional que a população indígena esteja crescendo e reivindicando identidade, mas, por outro lado, que critério se usa para definir quem é indígena ou não?”, pergunta o antropólogo José Carlos Rodrigues, autor de Antropologia e comunicação: princípios radicais. “Tem a ver com a língua tradicional, com viver na aldeia, estar fisicamente ligado a uma comunidade ou praticar uma religião? Ou é quem simplesmente se declara? Há critérios mais rígidos e mais fluidos”, aponta.

No extremo, chega-se a uma situação em que a ânsia dos pesquisadores em realçar características identitárias de um grupo acaba por virar o jogo da manipulação. Percebendo os benefícios que terão ao atender às expectativas externas, o grupo corresponde a elas para atingir seus próprios interesses. Isto é ruim? Não para a historiadora Lilia Schwarcz. Pelo contrário, parece-lhe um sinal de vitalidade cultural. “Por que só nós nos julgamos no direito de agenciar a cultura?”, questiona. “Eles também manipulam intencionalmente elementos que a cultura branca sempre valorizou. ‘Quer que a gente produza cestas? A gente produz’. Eles absorvem o que lhes chega, reelaboram, recriam e passam a ‘agenciar’ também. As culturas estão vivas, não são quadros de museu na parede. Um movimento pode até começar por influência externa, mas depois eles dão a volta, e isso é bacana. Se transformam em sujeitos e criam auto-estima. É ridículo acreditar na lógica de que ‘nós’ alteramos a cultura, e ‘eles’ preservam”, comenta.

O caso mais emblemático desse tipo de manipulação talvez seja o dos índios Pataxós no Monte Pascoal, em Porto Seguro. O alto valor simbólico que o local do Descobrimento representa para o país — agravado pela culpa da sociedade diante do genocídio perpetrado contra os povos que viviam aqui — foi usado como trunfo pelos índios para ocupar aquelas terras. Não cabia contestar o fato de que eles pertencem a etnia diferente da que originalmente habitava o litoral sul da Bahia (uma vez que os tupis foram extintos e os pataxós são resultado de fusão de várias outras etnias dispersas até o século XIX). A noção de reparação histórica era mais forte. Em 1980, os pataxós receberam do governo um terço do Parque Nacional Monte Pascoal, ou 8.627 hectares, e desde então vêm avançando sobre a área destinada por lei à proteção integral da natureza. Ainda assim, continuam a contar com a condescendência das autoridades e movimentos sociais.

Talvez em retribuição aos bons sentimentos que alimentam em nosso imaginário, os pataxós literalmente se vestem com a roupagem que lhes conferimos. Em cerimônias públicas e manifestações políticas, usam saiotes de palha semelhantes aos retratados no quadro A Primeira Missa no Brasil, de Victor Meirelles, mas absolutamente estranhos à sua cultura.

O ideal do bom selvagem não apenas persiste como vem se ampliando para as chamadas “comunidades tradicionais”. Caso contrário, como explicar a crença do Ministério do Meio Ambiente de que todas essas populações, por mais diversas que sejam, são capazes de viver “em harmonia” com a natureza e praticar o “desenvolvimento sustentável”? Tais atributos especiais estariam relacionados apenas ao local de moradia e condição social dos indivíduos. Na Comissão interministerial criada para as minorias étnicas, cabem tanto negros moradores de fazendas quanto categorias puramente profissionais e inseridas na economia de mercado, como os seringueiros e os pescadores. Se morar no mato ou em área rural e ser pobre são credenciais suficientes para compor uma minoria “sustentável”, poderia-se cogitar o ingresso na Comissão de um dos grupos sociais mais danosos ao meio ambiente nacional: os garimpeiros. Identidade cultural eles certamente têm.

A hegemonia política do socio-ambientalismo vem privilegiando a criação de Reservas Extrativistas (Resex) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) — categorias que permitem acomodar comunidades quilombolas, caiçaras, ribeirinhos e outros grupos — no lugar de Parques Nacional ou Reservas Biológicas, onde a presença humana só é permitida para estudos, pesquisas ou visitação. É o meio ambiente a serviço da solução de injustiças sociais. A opção beneficia os grupos humanos que habitam áreas importantes para a preservação e alivia o governo da penosa tarefa de deslocar populações e indenizá-las devidamente, coisa que não consegue cumprir na maioria dos Parques Nacionais, mesmo aqueles criados há várias décadas.

Antropólogos, indigenistas e ongs socioambientais aplaudem o modelo. Mas para muitos conservacionistas a solução é nada menos do que desastrosa. O ecólogo Fábio Olmos, pesquisador da USP e colunista do site O Eco, é autor de diversos escritos em que não poupa críticas à “falta de base científica” da antropologia cultural. Ele recorre a fartas evidências históricas para mostrar que o mito do selvagem ambientalmente correto é uma falácia.Os povos tradicionais têm causado extinções em massa há pelo menos 40 mil anos. O uso não-sustentável dos recursos naturais sempre foi a regra, também em sociedades não-ocidentais e não-capitalistas”, argumenta. O que determina de fato a sustentabilidade de uma sociedade é sua densidade populacional e o aparato tecnológico disponível para acessar os recursos naturais. A partir do momento em que se melhora a qualidade de vida de um “povo tradicional” que obtém seu sustento às custas da natureza, é muito provável que a população cresça até o ponto em que os recursos comecem a escassear.

No clássico A ferro e fogo, sobre a história da Mata Atlântica brasileira, Warren Dean demonstra que à altura da chegada dos europeus na América a faixa litorânea se encontrava bastante desmatada e boa parte da fauna do continente já havia sido extinta pelos povos que aqui viviam. Já o biólogo evolucionista Jared Diamond, que vem conduzindo instigantes investigações a respeito da história ambiental da Humanidade, dedicou seu último livro, Colapso, à análise das causas que levaram diversas civilizações à derrocada e extinção. O esgotamento dos recursos naturais está na origem de boa parte dos problemas humanos, inclusive entre grupos “primitivos”.

Os Guarani, Pataxó e demais grupos indígenas são formados por seres humanos, com as virtudes e defeitos inerentes à condição que toda a humanidade compartilha. Eles não são seres glorificados, com uma sapiência e ética super-humanas, como querem alguns. (...) Desde sua origem os humanos sempre procuraram simplificar e homogeneizar o mundo natural para suas finalidades. Povos ‘tradicionais’ não são diferentes”, escreveu Olmos no artigo “Correção política e biodiversidade: a crescente ameaça das ‘populações tradicionais’ à Mata Atlântica”, com outros autores, publicado no livro Ornitologia e conservação: da ciência às estratégias.

Olmos acompanha de perto a situação das reservas ambientais do estado de São Paulo, que vêm sendo disputadas e invadidas por grupos de quilombolas, índios e caiçaras. Estudos ecológicos atestam a grande perda de biodiversidade causada pela caça, extrativismo e desmatamento promovidos por essas comunidades nas áreas outrora protegidas. “Temos base científica para dizer que os caiçaras causam florestas vazias. As atividades de caça provocaram a quase total extinção de porcos-do-mato, antas, macacos e outros mamíferos que em uma floresta normal constituem 90% da massa de vertebrados. A Estação Ecológica Juréia-Itatins é exemplo didático disso”, comenta. Além da caça, a atividade de retirada de palmito-juçara atingiu larga escala na reserva disputada pelos caiçaras. O palmito é o principal alimento das aves frugíveras da Mata Atlântica.

Desde 1992, guaranis do subgrupo mbyá vêm se deslocando pelo estado de São Paulo, vindos do Paraná. Naquele ano, índios que haviam invadido o Parque Nacional do Superagüi cruzaram a divisa entre os estados e se instalaram no Parque Estadual Ilha do Cardoso. Em 1998, ocuparam parte da Juréia-Itatins, e no ano seguinte invadiram a área do núcleo Quilombo do Parque Estadual Intervales, cujo grau de conservação Olmos define como “a última jóia de Mata Atlântica do mundo”. Assim como os caiçaras, também os índios descobriram as vantagens comerciais propiciadas pelo acesso aos recursos naturais. Estima-se que apenas nas feiras livres de Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe os guaranis comercializem 50 mil bromélias, 35 mil orquídeas e 100 mil dúzias de palmito por ano.

Olmos levantou evidências arqueológicas para mostrar que os guaranis mbyá não têm direito histórico sobre aquela região. Quem ocupava o litoral paulista eram os tupis e os carijós (guaranis do litoral), etnias extintas já no século XVII. As primeiras levas de guaranis teriam chegado à região apenas dois séculos depois, em 1835. E mesmo assim eram do grupo ñandeva. Os que não foram incorporados na Terra Indígena Itariri acabaram se misturando a população local e perdendo a maior parte de seus costumes. Segundo Olmos, o primeiro grupo mbyá chegou às florestas do litoral paulista apenas em 1921. Sua “ancestralidade” na região seria, portanto, pouco mais recente do que a dos primeiros imigrantes japoneses em terras paulistas.

Aí aparece um antropólogo de plantão e diz que os guaranis são a mesma coisa que os tupis que viviam aqui no século XVI”, dispara o ecólogo. Para ele, “várias ongs buscam ativamente nichos de mercado criando demandas. Para quem vive de projetos com grupos indígenas, quanto mais grupos indígenas existirem, mais projetos terão.

Se a questão é a abertura de nichos de mercado, a profissão de antropólogo anda valorizada como nunca. Isto graças aos quilombolas, a segunda etnia brasileira a obter o direito à titulação de suas terras ancestrais, ao lado dos índios. Em 2003, o decreto presidencial n° 4.887, lançou a coordenadas para fazer valer o que previa a Constituição de 1988. A partir de então, consolidou-se um processo no qual o quilombo perdeu de vez sua significação histórica, e passou a ser utilizado como uma “metáfora” pelo movimento negro, como define o antropólogo José Maurício Arruti.

Em sua acepção original, quilombo era o termo de origem banto que designava “acampamento” ou “fortaleza”, e foi incorporado pelos portugueses como referência às comunidades formadas por escravos fugidos do cativeiro. No entanto, uma vez que entra em cena o direito à terra, a antropologia “produziu um alargamento do conceito”, segundo a historiadora Márcia Motta, da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Quilombola deixou de ser um grupo oriundo da fuga de escravos, para se referir a todas as comunidades negras criadas ao longo da escravidão, como aquelas formadas pela doação de terras de senhores. Na verdade, qualquer grupo negro rural com presença antiga na região passou a ter a chance de se auto-referenciar como quilombola”, completa.

Márcia Motta participou do estudo coordenado por José Maurício Arruti que conferiu um laudo técnico confirmando o direito à terra para 90 famílias “quilombolas” instaladas na Ilha de Marambaia, uma reserva da Marinha no município do Rio de Janeiro. Seus ancestrais não eram quilombolas de fato, mas ex-escravos a quem o maior produtor de café e escravocrata do Império, Joaquim de Souza Breves, permitiu que permanecessem nas terras que ocupavam. Os descendentes do velho Breves ignoraram a vontade do pai e, após sua morte, negaram ao grupo o direito à terra. Para complicar ainda mais a trajetória fundiária do conflito, as pesquisas de Márcia Motta se depararam com a ausência de evidências de que a área pertencesse legalmente a Breves. Ou seja, tudo indica que eram terras devolutas, ocupadas pelo fazendeiro irregularmente. Ainda assim, no laudo final pesou mais a noção de justiça histórica, para que os descendentes da comunidade negra não fossem expulsos da Ilha.

Desvinculado de seu sentido histórico, o conceito de quilombola passou a servir de bandeira de luta para os afro-descendentes pelo direito à terra. Presente a um encontro do movimento negro, Márcia Motta constatou que uma das líderes absorveu o termo que até dois anos atrás estava ausente de seu discurso. “Quilombola tornou-se um termo fortemente mobilizador, sobretudo junto aos jovens. Eles se sensibilizam com a possibilidade de recuperar o passado e resolver injustiças do tempo da escravidão. É um novo combustível de luta para esse grupo”, observa.

A historiadora enxerga riscos para os intelectuais e acadêmicos que absorvem sem crítica a agenda étnica sobreposta às reivindicações de inclusão social. Reconhece que a questão dos quilombolas se tornou uma brecha legal importante para o movimento negro reivindicar seus direitos, mas percebe a sinuca conceitual que isto representa. “Entramos numa furada a longo prazo, pois o direito à terra independe da identidade étnica. Aceitamos a ‘brecha negra’, mas agora ficamos dependentes apenas dela”, alerta. Por conta dessa visão, Márcia chegou a ser classificada como “advogada dos fazendeiros”. Pois é justamente o oposto do que tem em mente. “Não quero perder de foco que a situação fundiária é o verdadeiro pano de fundo para este conflito. A grilagem de terras no país é muito mais grave: temos a maior concentração fundiária do mundo. A brecha étnica seduz, mas limita e oculta os reais interesses em jogo”.

Márcia Motta é autora de um elucidativo artigo a respeito da origem histórica da agenda étnica nos movimentos sociais. Em “Brecha negra em livro branco: artigo 68, remanescentes de quilombos e grilagens no Brasil”, parte do livro Estado e Historiografia no Brasil (organizado por Sônia Mendonça), ela mostra como a resistência dos constituintes de 1988 à Reforma Agrária explica a solução alternativa representada pelo artigo 86, aquele que define os direitos dos afro-descendentes, ou “quilombolas”.

A Reforma Agrária foi considerada o terceiro entre 15 temas mais importantes para a sociedade de então (segundo pesquisa do Ibope em 1987, superada apenas por ensino gratuito e distribuição de renda), e foi aquele que mais obteve assinaturas na fase de Emendas Parlamentares: 1,2 milhão. No entanto, a União Democrática Ruralista (UDR) contava na época com 40% dos parlamentares, e conseguiu evitar a incorporação de qualquer avanço na questão fundiária pela “Constituição Cidadã”.

Para compensar a pressão dos movimentos sociais, o que se obteve foi uma “reforma agrária em migalhas”, em que indígenas e remanescentes de quilombos foram pela primeira vez reconhecidos em suas identidades e direitos. A luta pela terra transformou-se em uma brecha legal de caráter étnico-cultural. Foi quando teve início o processo de ressignificação e “alargamento” dos conceitos antropológicos. A partir do decreto n° 4.887, de 2003, que regulamentou a titulação das terras, o número de comunidades auto-declaradas quilombolas multiplicou-se consideravelmente. Não faltam laudos antropológicos para avalizar tal pleito, mas no campo jurídico essa disputa fundiária encontra obstáculos. Segundo Márcia Motta, o Judiciário é mais afeito às evidências históricas do que à subjetividade antropológica, por isso não costuma ignorar as contradições dos grupos que se candidatam à categorização “quilombola” quando, na verdade, são fruto de uma mistura de brancos, índios e negros, como ocorre em boa parte das comunidades rurais do país.

Por outro lado, comunidades negras que de fato preservam raízes quilombolas e teriam direito legítimo à terra acabam prejudicadas pelo volume de processos acumulados no Incra. Entre 2003 e 2006, o órgão recebeu 492 processos de reconhecimento de comunidades quilombolas, e só conseguiu emitir 46 relatórios com os laudos técnicos necessários para a definição judicial da titulação.

O resultado é que nem mesmo a “brecha negra” consegue produzir justiça social. Analisando o histórico fundiário do estado campeão em grilagens, o Pará, o artigo de Márcia Motta evidencia que as muitas comunidades negras amazônicas — cujo isolamento geográfico garantiu um grau maior de preservação de sua cultura — tiveram as terras griladas por grandes fazendeiros. E não conseguem fazer valer seu direito para reavê-las. As titulações que obtiveram, nos últimos anos, referem-se apenas a propriedades pequenas e pouco férteis. “O problema é profundamente social, antes de étnico. A rigor essas pessoas já teriam direito à terra. Se estão lá há 50 anos, 20 ou 30, o direito à posse já está circunscrito em lei. Mas a sociedade brasileira não está preparada para discutir a questão da propriedade”, lamenta a pesquisadora.

Enquanto não amadurece a este ponto, o país se distrai com a redescoberta de suas “populações tradicionais” e com a nova fragmentação étnica que isso configura, diferenciando brasileiros de brasileiros. É um caminho desejável?

Para Lilia Schwarcz, destacar as diferenças não faz mal nenhum. “Não destacar seria míope. Afinal, não somos tão igualitários assim. Podemos lidar com as diferenças sem transformá-las em estratificação, nem em ódio racial”.

Fábio Olmos tem visão radicalmente oposta. “Dividir a sociedade em pequenos grupos é um processo de tribalização que acirra as diferenças. Me lembra Ruanda e os Bálcãs. Em vez de vivermos em uma sociedade una que respeita as diferenças, estamos criando justificativas para um se sentir mais que outro. Cultura se conserva em DVD. Querer preservar culturas intocadas é como querer conservar a forma como as nuvens estão no céu neste momento”, completa.

Daqui a pouco vamos descobrir que não temos pobreza no Brasil, só comunidade étnica”, ironiza Márcia Motta. “É acachapante lidar com qualificações absolutas e ingênuas como a do ‘bom selvagem’. Frases decisivas mais obscurecem do que iluminam a reflexão”.

Alguém aí ainda achava que este país era fácil de entender?

O Caleidoscópio da Cultura

por Lilia Moritz Schwarcz

Lilia Moritz Schwarcz é professora Titular da Universidade de São Paulo e autora do livro Espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 6ª. ed

Para o antropólogo Marshal Sahlins “as culturas são como rios: não se pode mergulhar duas vezes no mesmo lugar, pois estão sempre mudando”. Aí está, em pinceladas, a noção de dinâmica cultural; a idéia de que a cultura não é uma essência, uma vez que está sempre em transformação. O fato é que a cultura não é, ela está. Culturas se criam, alteram-se e se re-significam e não há outra saída, como bem mostrou o antropólogo Roy Wagner, senão “inventar”. Acusar a invenção de algo é, assim, um exercício tão ingênuo quanto fadado ao fracasso: os homens sempre manipularam e foram manipulados por suas culturas.

A “diferença” incomoda e foi por conta dela que inventamos, durante séculos, uma cartografia de nomes: os romanos chamaram o resto da humanidade de bárbaros, a “descoberta” da América levou à “descoberta” do primitivo, assim como a cristandade denominou todos seus demônios – caseiros ou não – de hereges. Isso sem esquecer o conceito de exótico, que definitivamente destina-se ao “outro”: o Oriente, os trópicos, a África. E se tal constatação remete a uma dificuldade humana de lidar com a noção de “vário” de Montaigne, o que dizer do processo atual de mundialização, que fez com que fronteiras virassem metáforas sociais? Afinal, por que será que “nossa” cultura é múltipla e plural, enquanto a do “outro” singular e sujeita a projetos de preservação? “Nós” inovamos, já “eles” perpetuam; no máximo resgatam.

Por mais que tenhamos desconfiado da idéia de civilização, desconstruído o mito do progresso, continuamos cultivando a noção romântica de que existem “bons selvagens” e que seria melhor que permanecessem enquanto tal. E no Brasil, onde um laboratório de culturas sempre preponderou, a situação não é mais fácil: não só o Estado agencia culturas e etnicidades, como pais de santo são leitores de teoria antropológica, grupos indígenas tornam-se especialistas em mitologia e parentesco, quilombolas refazem sua cultura e selecionam traços étnicos. Por sinal, hoje em dia não é tão fácil dizer que um grupo é efeito da sua cultura; na maioria das vezes, ele é “causa” e não “conseqüência” de sua cultura. Grupos étnicos criam culturas, traduções, expectativas, memórias e até naturezas. A própria noção de identidade – essa voga tão atual -- não pode, pois, ser entendida como ponto de chegada (uma tomada de consciência das origens); ela é chave de partida. Aqui se abre, e não se fecha, uma longa negociação relativa aos dile mas da própria instituição da memória.

O fato é que estamos constantemente lidando com a noção de diferença e não parece o caso de abrir mão dela. Melhor seria, usando as palavras de Lévi-Strauss, diferenciar sem hierarquizar. Ou então, fiquemos com uma metáfora dileta desse etnólogo, que recorre ao caledoscópio para pensar em culturas; por mais que se desmonte a luneta, que se desconfie do truque do material que há lá dentro, não há o que duvidar: as peças são poucas, e as mesmas, apesar dos desenhos infinitos que produzem. Hora de girar o brinquedo ...


Um País em Preto e Branco

por José Murilo de Carvalho

José Murilo de Carvalho é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro da Academia Brasileira de Letras e do IHGB e autor de Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

Está em andamento no Brasil uma tentativa de genocídio racial perpetrado com a arma da estatística. A campanha é liderada por ativistas do movimento negro, sociólogos, economistas, demógrafos, organizações não-governamentais, órgãos federais de pesquisa. A tática é muito simples. O IBGE decidiu desde 1940 que o Brasil se divide racialmente em pretos, brancos, pardos, amarelos e indígenas. Os genocidas somam pretos e pardos e decretam que todos são negros, afro-descendentes. Pronto. De uma penada, ou de uma somada, excluem do mapa demográfico brasileiro toda a população descendente de indígenas, todos os caboclos e curibocas. Escravizada e vitimada por práticas genocidas nas mãos de portugueses e bandeirantes, a população indígena é objeto de um segundo genocídio, agora estatístico. A não ser pelos trezentos e tantos mil índios, a América desaparece de nossa composição étnica. Restam Europa e África.

O problema da cor ou raça persegue nossos demógrafos e estatísticos desde 1849. Haddock Lobo, organizador do censo do Rio de Janeiro desse ano, rejeitou o item cor por considerar essa classificação odiosa, além de inconfiável pela “infidelidade com que cada indivíduo faria de si próprio a necessária declaração”. O primeiro censo nacional, feito em 1872, enfrentou o problema e dividiu as raças (não se diferenciava raça de cor) em branca, preta, parda e cabocla (indígena). Os responsáveis pelo censo de 1890 substituíram pardo por mestiço, argumentando, corretamente, que a cor parda “só exprime o produto do casamento do branco com o preto”. O censo de 1920 eliminou o item raça porque “as respostas ocultavam em grande parte a verdade”, sobretudo as respostas dos mestiços. O registro de cor foi reintroduzido no censo em 1940, quando voltaram os pardos e se estabeleceu o padrão atual, com a única diferença que hoje se separam amarelos (asiáticos) e indígenas.

Retrocedeu-se a 1872, ignorado o alerta feito em 1890. Os descendentes de indígenas ficaram embutidos na classificação de pardos, da qual são agora definitivamente enxotados. Ora, é óbvio para qualquer um que os 39% de pardos do censo de 2000 se compõem em boa parte de descendentes de indígenas. Aí está, aliás, a razão de ser do tribunal racial da Universidade de Brasília, destinado a apontar entre os pardos os afro-descendentes. A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, de 1998, mostrou que as pessoas classificadas como pardas pelos critérios impostos, quando deixadas livres para se autoclassificarem se disseram morenas e morenas claras em 60% dos casos. Apenas 34% dos pardos concordaram com essa classificação e apenas 2% se disseram mulatos. Pesquisa feita na Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 1997 revelou que 50% dos que foram classificados de pardos pelos entrevistadores se disseram morenos ou brancos. Outra pesquisa no Rio, de 2000, mostrou que 48% dos pardos diziam ter antecedentes indígenas. Nos estados do Norte, onde foi fraca a presença da escravidão africana, os descendentes de indígenas formam sem dúvida a grande maioria dos pardos.

A inspiração do genocídio vem naturalmente dos Estados Unidos. Mas a operação é falaciosa. Para corrigir os males de uma sociedade em preto e branco, os americanos começaram a valorizar todas as etnias. Como se sabe, não existem mais americanos. Lá, as pessoas são euro, afro, latino, nativo, asiático-americanas. Importou-se essa valorização das etnias. A falácia consiste em ter sido ela importada não para acabar com a polarização, mas para implantá-la num país em que ela não existia. Valorizam-se duas cores, raças, etnias, seja lá o que for, com exclusão das outras. Viramos um país em preto e branco, ou melhor, em negro e branco.

Deixados livres para definir sua cor, os brasileiros exibem enorme variedade e grande ambigüidade. Essa riqueza foi aprisionada no leito de Procusto das cinco categorias pré-codificadas do IBGE. Os americanizantes querem mutilá-la ainda mais, reduzindo-a à polarização branco-negro. Se é para valorizar as etnias, vamos copiar direito os americanos. Vamos incluir todas as etnias, sem esquecer a dos primitivos habitantes do país, instaurando entre nós a sociedade hifenizada. Para isso, nenhuma das opções dos censos, de 1872 a 2000, é satisfatória. Sugiro, para início de conversa, que os atuais brasileiros sejam classificados assim: nativo-brasileiros (índios), euro-brasileiros (brancos), afro-brasileiros (pretos), asiático-brasileiros (amarelos), nativo-euro-brasileiros (caboclos), euro-afro-brasileiros (pardos), nativo-afro-brasileiros (cafusos), mestiço-brasileiros (o resto das cores).


Comentários Politicamente (In)Correto

Bom, podem falar o que quiser da Veja, mas dessa vez a bola foi dentro, acertou a cesta do outro lado da quadra.

Antropólogos criam comunidades, quilombos e até tribos extintas, arrumam assim um laboratório para garantir financiamentos eternos de pesquisa (fraudulentas porque o objeto de estudo é uma fraude).

Quando não se tornam os donos dessas comunidades, ou intermediários de doações de quem acha que está ajudando a preservar alguma "cultura" ameaçada.

Vide os textos intitulados Cenas de Índios no Montado Num Porco

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