O jornalista e escritor Palmério Dória afirmou na sexta-feira ao Jornal Pequeno, por telefone, que seu livro “Honoráveis Bandidos – Um retrato do Brasil na era Sarney” será lançado em São Luís durante a Feira do Livro, que deve acontecer de 9 a 19 deste mês, na Praça Maria Aragão. O evento em São Luís representa uma reação ao boicote que a obra vem sofrendo por parte das livrarias ludovicences, que – mais de uma semana depois de seu lançamento, em São Paulo – ainda não disponibilizam o livro.
Na conversa com o JP, Palmério Dória disse que já sabia do boicote das livrarias. Ele afirmou que isso não o surpreende, pois quando foi lançado um outro livro seu, igualmente tratando das falcatruas da família Sarney – “A candidata que virou picolé” –, a obra foi quase integralmente comprada nos pontos de venda de São Luís por pessoas agindo a mando de gente do clã.
Enquanto “Honoráveis Bandidos” não chega às livrarias da capital maranhense, o JP oferece hoje a seus leitores mais um “petisco” da obra: revelações sobre os notórios “faniquitos” de Roseana Sarney e trechos do capítulo chamado pelo autor de “rosa-choque”, tendo como personagens destacados a onipresente Roseana, seu mordomo “Secreta” e o colunista social oficial do clã. Veja os textos.
Tão fresco que é ‘phresco’
Assim como há homens fêmeos, há mulheres machas. Mas que pensamento esquisito surge na cabeça do senador Sarney naquele 2 de fevereiro de 2009, de braço dado com o também recém-eleito presidente da Câmara, Michel Temer, com seu talhe de mordomo de filme de terror. Não sabe igualmente por que nessas horas cruciais lhe vêm as lembranças de figuras femininas marcantes na sua vida. Neste livro, que ele não autoriza como sua biografia, um quinto se dedica a mulheres. Ou homens fêmeos.
Chegando ao Maranhão, o colunista aposentado era implacável. Falamos de Reinaldo Loyo, amazonense que se fez no Rio de Janeiro, decano dos colunistas sociais, imenso no tamanho, na mordacidade e na alegria de viver. Segundo Reinaldo, Sarney é dono do estado, da televisão, do jornal e do colunista social: Pergentino Holanda, uma das coisas mais loucas que eu já vi na vida. O PH.
Pergentino Holanda é aquela figurinha carimbada. Não se trata daqueles que fazem mal aos outros, mas, seguramente, faz muito bem a si próprio. Desfila pelas velhas e estreitas ruas da ilha de São Luís ao volante de uma reluzente Mercedes-Benz último tipo, vindo de uma cinematográfica propriedade nos arredores da ilha. PH faz e desfaz no society maranhense. Aos domingos, em O Estado do Maranhão, assina um caderno, onde seu monograma é contornado por uma estrela dourada. Estrela das grandes, cintilante. PH, saibam todos, depois de Roseana, é a maior estrela do Maranhão.
Seus aniversários são bancados por amigos generosos. Um banca a bebida; outro, o bufê; algum deslumbrado manda imprimir os convites na nec plus ultra tipografia Paul Nathan, do Rio; outro maceteia as passagens de alguma empresa aérea e o PH traz seus convidados do sul. Todo mundo de gala e suando em bicas. Igualzinho Manaus, um calor das trevas dos infernos e a canalhada toda tomando o champanha que o Edemar Cid Ferreira, aquele do Banco Santos, pagou superfaturado, e o pessoal se achando o máximo. Mas o PH virou um grande lobista. Ganha os tubos. Se abrirem uma caixa-preta, não tem como justificar a imensa riqueza. São raros os colunistas que passam pelo imposto de renda. Nem eu!
O genial humorista da televisão Chico Anysio, sentindo-se atingido por uma nota malvada publicada por PH em sua coluna, não perdoou. No belo teatro Arthur Azevedo, no centro histórico de São Luís, gente saindo pelo ladrão, dá um show de humor e competência. Aplaudido de pé, sorridente e simpático, pede silêncio ao público e carimba, impiedoso, o seu detrator, com essa tirada de Escolinha do Professor Raimundo:
“Ah, eu me esqueci! O Maranhão é o único lugar do mundo onde se escreve fresco com PH.”
(“Honoráveis Bandidos”, páginas 69 e 70)
ROSEANA, PITIS E FANIQUITOS
Em 2001, sob o governo Roseana, Ana Jansen [Ana Joaquina Jansen Pereira Leite, mulher de espírito truculento, chamada de “rainha do Maranhão”, que exerceu grande poder no estado de 1820 a 1860] deu nome a uma lagoa entre a Ponta d’Areia e o bairro São Francisco. Inaugurada em 30 de dezembro, com festa, discurso e foguetório, o Parque Ambiental da Lagoa da Jansen, em São Luís, não resistiu à primeira chuva, duas semanas depois.
Tendo custado R$ 70 milhões, enviados pelo mano Zequinha, então ministro do Meio Ambiente de Fernando Henrique Cardoso, o lago artificial, de pouco mais de um metro de fundura, transbordou, invadiu condomínios de classe média alta e casebres paupérrimos em volta.
Dejetos de matéria vegetal não retirada desmoralizaram o que Roseana havia chamado dias antes de “a nossa lagoa Rodrigo de Freitas”, comparação que também era um despautério, pois a carioca Rodrigo de Freitas volta e meia amanhecia cheia de peixes podres. A despoluição da lagoa da Jansen, item mais caro do dinheiro gasto, simplesmente não foi feita.
Deu no jornal:
Governo Roseana desviou milhões na recuperação da Lagoa da Jansen (Jornal Pequeno, São Luís, 24 de julho de 2005).
O DNA de Roseana não nega. Quando o pai se tornou governador, lá em 1966, ela estava com 12 anos e vivia no Rio de Janeiro. Sua volta à província prenunciou o que a vida lhe reservava no Maranhão. Declaradamente a preferida do pai, mimada, cercada de atenções e de carinho, isso talvez ajude a explicar uma faceta de sua personalidade.
Ela é mandona, temperamental, e protagoniza memoráveis escândalos e faniquitos, comentados à meia voz na alta roda de sua terra. Dois exemplos: o caso do “PMDB erecto” e o caso da porta blindex do irmão Zequinha.
(“Honoráveis Bandidos”, páginas 75 e 76)
SECRETA, O REBOLATIVO, LEVA MAIS CAL À PÁ
Seu nome é Amaury de Jesus Machado, mas pode chamá-lo de “Secreta” que ele gosta – é a forma abreviada de secretário. Aos 51 anos, funcionário do Senado, Secreta mora na cidade-satélite do Guará, onde dispõe de um plantel de garotões musculosos e amestrados.
Na campanha eleitoral de 1998, quando Marcelo Amaral, filho do colunista social Gilberto Amaral, candidatou-se a deputado, Secreta tomou-lhe um dinheiro para fazer uma festa em estilo quermesse, apresentá-lo e arrumar votos.
O pessoal da campanha chegou, apareceram uns garotões tratados a pão-de-ló, aquilo não ia render nem meia dúzia de votos.
O chefe da campanha me contou que, em vésperas do pleito, após tomar muita grana, Secreta ainda apresentou mais uma despesa absurda. Não pagaram, rolou um estresse e ele se deu por liberado para atacar outro candidato.
A rebolativa figura anda cheia de jóias de ouro, colares, pulseiras. Goza de absoluta confiança de Roseana e de toda a família Sarney. Faz o estilo “cunhã”. Mas chamar de mordomo fica mais chique.
Secreta recebe do Senado como “assessor de gabinete”, mas trabalha na casa de Roseana. Os repórteres Rosa Costa e Rodrigo Rangel começam assim seu despacho da capital federal para o jornal O Estado de S. Paulo, publicado em 20 de junho de 2009:
“O Congresso abriga mais um exemplo ilustrativo do uso de dinheiro público para bancar despesas privadas da família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O mordomo da casa de sua filha, Roseana Sarney, ex-senadora e atual governadora do Maranhão, é um servidor pago pelo Senado. Deveria trabalhar no Congresso, mas de 2003 para cá dá expediente a sete quilômetros dali, na residência que Roseana mantém no Lago Sul de Brasília.”
Secreta, explicavam os repórteres, é “uma espécie de faz-tudo, quase um agregado da família”, encarregado de serviços de copa e cozinha, organizador de recepções. Os jornalistas do “Estadão” ligaram para a casa que a ex-senadora e atual governadora maranhense mantém em Brasília. Um empregado informou que o servidor público Amaury, o Secreta, se encontrava em São Paulo fazia dez dias, acompanhando Roseana. Ela havia passado por uma anunciada cirurgia para retirar um aneurisma. Os repórteres confirmaram as funções particulares de Secreta com funcionários da família Sarney e, pelo telefone, ouviram Roseana declarar:
“Ele é meu afilhado. Fui eu que o trouxe do Maranhão. Ele vai à casa quando preciso, umas duas ou três vezes por semana. É motorista noturno e é do Senado. E lá até ganha bem.”
Grande, Secreta. Chegou a filiar-se ao PFL, quando a “madrinha” estava neste partido, herdeiro da Arena da ditadura. Trabalhou até no Palácio da Alvorada quando Sarney era presidente (1985-1990). Na época promoveu uma festinha com dois garotos na mansão do Calhau, em São Luís, que ele tinha ido arrumar para uma ida do então presidente. Os rapazes aproveitaram para amarrar Secreta e roubar a mansão. Coisas da vida.
Colegas de função acreditam que ele ganha entre R$ 12 mil e R$ 15 mil, mas pode ser mais. Com tantos atos secretos, e o sujeito ainda se chama Amaury, o Secreta. Um amigo do Senado me diz que ele ganha muito para poder bancar pequenas despesas de emergência da família. É um lambaio de luxo.
Anotaram os repórteres do “Estadão” que, mesmo que Roseana ainda estivesse exercendo o mandato de senadora, “não poderia ter um servidor como empregado doméstico”.
Não bastava o senador manter com dinheiro público o neto, a mãe do neto, sobrinhas – a parentalha. E aparece um bichinho de estimação de Roseana, o Secreta. O velho coronel tinha a sensação de que mãozinhas invisíveis punham mais um punhadinho de cal na pá.
(“Honoráveis Bandidos”, páginas 71 e 72)
O PMDB ERECTO
Vizinha do pai na Praia do Calhau, vizinha do pai no Planalto: Roseana tinha gabinete montado pertinho do pai presidente da República. Comportava-se como se estivesse na própria casa.
Bocuda. E desbocada. Mal chegando às bordas do poder federal, ela presenciou o encontro em que o deputado Cid Carvalho, seu conterrâneo, pediu a Sarney apoio para o PMDB nas eleições de 1985. Cid foi enfático:
“Presidente, ao senhor interessa o PMDB erecto!”
Cid voltou o Planalto, semanas depois, desenxabido com o fracasso de seu candidato, que não passou do quarto lugar, com apenas dez mil votos. Roseana levantou o braço, de punho fechado, em posição fálica:
“Então, Cid? Cadê o PMDB erecto?”
Baixou o cotovelo e o balançou, em gesto obsceno:
“Broxou?”
(“Honoráveis Bandidos”, página 28)
A PORTA BLINDEX DO ZEQUINHA
Nem preferido da mãe, nem preferido do pai, José Sarney Filho, o Zequinha, filho do meio, é pesado de carregar. Foi ministro do Meio Ambiente de Fernando Henrique Cardoso, e mais nada.
Seu grande feito foi transferir para o seu Maranhão, então governado pela irmã, nada menos que 80 por cento das verbas de sua pasta – e Roseana achou pouco.
Quando viu que não vinha mais nada, e que o irmão, três anos mais moço, estava fugindo dela, foi até a casa dele, pegou do jardim uma pedra e atirou-a contra a porta de vidro blindex da entrada, que se espatifou. Raivosa mesmo.
(“Honoráveis Bandidos”, página 30)
RAINHA DO CALHAU É FISSURADA NO PANO VERDE
Quando Roseana deixou o Planalto [separada de Jorge Murad, no final da década de 1980, no fechar das portas do governo Sarney] e topou com o ex-namorado Carlos Henrique [Abreu Mendes, que foi secretário de Meio Ambiente no governo de Wellington Moreira Franco], estava deprimida.
Resolveu viajar, correr o mundo, divertir-se. E lá se foi para alguns dos lugares que ela mais ama: Monte Carlo, Atlantic City e Las Vegas.
Se você acha que essas cidades têm algo em comum, acertou: ela adora jogar. Diante do pano verde, seus olhos verdes se integram em perfeita simbiose. O girar da roleta, o tilintar das fichas, a voz do crupiê, a emoção da aposta, naquele ambiente esfumaçado, suprem-lhe qualquer deficiência emocional.
Isso já representou um trauma para a família, especialmente para José Sarney. Que, num discurso em 1993, chegou às lágrimas na tribuna do Senado, respondendo a uma nota da colunista Danuza Leão, que tratava das peripécias da moça por centros internacionais de carteado.
Às vezes, quando batia a fissura e não dava para atravessar o oceano, Roseana praticava uma espécie de política da boa vizinhança, prestigiando os cassinos do Paraguai. Ela, os irmãos e os amigos sempre puderam contar com o jatinho da família, um British Aerospace BAE 800, prefixo PP-ANA, registrado em nome de Mauro Fecury, suplente de Roseana no Senado e velho amigo de Sarney.
Pai do deputado federal Clóvis Fecury, Mauro é dono do Centro Universitário Unieuro [Uniceuma, no Maranhão], com filial em Brasília. A família seria sócia nessa universidade, cuja biblioteca se chama Roseana Sarney. O reitor é Luiz Roberto Cury – marido de quem? De Emília Ribeiro, ex-assessora de Sarney que, como conselheira da Anatel por indicação do padrinho, deu o voto de desempate na fusão das empresas de telefonia Brasil Telecom e Oi, negócio de mais de R$ 5 bilhões – com o quê, a BrOi passou a dominar quase metade dos acessos de dados no país (42,41%).
Outras vezes, ao voltar das jogatinas para São Luís, batia na turma uma vontade irreprimível de comer na churrascaria Porcão, em Brasília. Os meninos mandavam o piloto aterrissar para matar a fome. Um desses pilotos que os levavam, antigo na aviação nacional, pediu demissão.
“O vôo de ida e volta de São Luís para Assunção não era nada perto desses, digamos, pousos de emergência”, diz ele, pedindo para não revelar o nome.
Ele quis dizer o seguinte: o pouso inesperado de um jatinho num aeroporto internacional, com o custo operacional completo, reabastecimento, aluguel de hangar etc., sai mais caro que o vôo São Luís-Assunção em si. O veterano piloto não suportou tais descalabros, foi embora.
Dizem os amigos que, se os adversários de Roseana soubessem de sua obsessão pela jogatina, poderiam fazer bom uso, porque ela seria capaz de largar tudo por uma mesa de pif-paf. Não deve ser exagero. Por causa dessa insana paixão, Roseana abriu a temporada de escândalos com passagens aéreas no Congresso.
Deu no Jornal Pequeno, combativo diário de São Luís do Maranhão, edição de 15 de março de 2009:
“Maratona de jogatina reuniu pelo menos 10 pessoas. Roseana Sarney admite que 4 viajaram de São Luís a Brasília com sua cota no Senado.”
A moça é realmente da pá virada. Um mês depois que o pai virou presidente do senado, ela transformou a residência oficial da Presidência daquela Casa em cassino. Com carinha de inocente, quando o resto da mídia “descobriu” a farra, ela disse que passaram o sábado e o domingo em “reunião de trabalho”.
No passado o dolce far niente internacional pelas rodas de carteado era bancado por um cartão de crédito com fundos ilimitados, emitido por um banco de Miami, o Schroder, segundo denúncia do Jornal do Brasil e da revista Exame. Dono da conta responsável pelo débito mensal desse cartão da felicidade: Edemar Cid Ferreira. Padrinho de casamento de Roseana e Jorge Murad, na Catedral da Sé, em São Luís, em 1976, onde Edemar conheceu a futura mulher [Márcia Costa].
Roseana e Jorge, por sua vez, viriam a se tornar padrinhos de casamento de Edemar e Márcia. Filha de quem? Daquele senador Alexandre Costa, lembram-se? Um dos que estavam metidos no famoso rolo da gráfica do senado, em 1994 (esse político, famoso por sua violência, com base eleitoral na cidade interiorana de Caxias, morreria em 1998).
Márcia é a maior amiga de Roseana, que – não se esqueçam – também estava naquele mesmo rolo. É no ombro de Márcia que Roseana vai chorar mágoas, na mansão de R$ 142 milhões do casal, no chique bairro paulistano de Cidade Jardim, vizinhos dos igualmente banqueiro Joseph Safra e do megaempresário Antônio Ermírio de Morais.
(Páginas 80, 81 e 82 de “Honoráveis Bandidos”)
UMA BOQUINHA PARA O TIO GAGUINHO
Aqueles atípicos 2 milhões [sacados por Fernando Sarney da conta da Mirante às vésperas do 2º turno das eleições para governador que Roseana Sarney perdeu, em 2006] deveriam turbinar a campanha de Roseana. E a quem as togas cassarão, dois anos depois, por “abuso de poder econômico”? O vencedor das eleições, o médico Jackson Lago. Roseana, e com ela personagens que vão e vêm, tal qual nos filmes eternamente repetidos nas sessões da tarde da televisão. Gaguinho é um deles.
No centro histórico de São Luís, dois do povo conversam:
“Qual a pior coisa do Maranhão?
A família Sarney.
Qual a melhor coisa do Maranhão?
Ser da família Sarney”.
Pois então, Roseana mal retoma “seu” Maranhão, e já leva o tio, Ernane Sarney, velho faz-tudo dela, para a Casa Civil, mesmo envolvido até o pescoço na Operação Navalha.
“Grampo” da Polícia Federal, realizado em março de 2007, capta titio cobrando propina que a construtora Gautama lhe devia. A Operação Navalha desmontaria, dois meses depois, um esquema de fraudes em licitações de obras públicas. A conversa se deu entre Ernane César Sarney Costa, o Gaguinho, irmão do coronel e secretário particular de Roseana, e na outra ponta da linha Gil Jacó Carvalho Santos, tesoureiro da Gautama, empreiteira de Zuleido Veras. Gil Jacó era quem pagava as propinas e foi um dos 61 denunciados pelo Ministério Público Federal no Superior Tribunal de Justiça.
O Jornal Pequeno, de São Luís, teve acesso ao diálogo interceptado e publicou trechos na edição de 24 de agosto de 2008.
Segundo o repórter Oswaldo Viviani, Ernane cobra de forma agressiva o pagamento, diz que está “com a corda no pescoço” e que “o pessoal aqui também tá com a corda no pescoço”, o que leva a crer que não é o único beneficiado:
“Você disse que ia pagar, rapaz! Já tava tudo na mão, eu não sei o que tá acontecendo. Tão me enrolando”, diz Ernane. “Tava na mão, tava na mão. Só conversa, rapaz. Eita, porra!”, explode o tio de Roseana e seu futuro aspone na Casa Civil, exigindo: “Rapaz, fala com ele! Bota isso em prioridade”. Ele, segundo a reportagem, é o chefão da Gautama, Zuleido Veras.
A Gautama depositou dinheiro na conta da mulher e do filho de titio Ernane. A mulher é Shirley Duarte Pinto de Araújo, assessora do Senado lotada no gabinete de Roseana; o filho é Ricardo Sarney.
Nos depósitos para Shirley, a Gautama tratou de evitar o valor de R$ 10 mil em cada operação para fugir à fiscalização. Em 7 de abril de 2006, depositou R$ 9.950, às 15h20, e cinco minutos depois, mais cinquentinha que faltavam.
Depósitos e diálogos comprometedores, lembra o Jornal Pequeno, somam-se a outros indícios de envolvimento do clã Sarney com as fraudes da Gautama, que a revista Veja revelou em junho de 2008. Ali, uma agenda de Zuleido Veras, apreendida em maio de 2007, contém a anotação do nome de Roseana ao lado da quantia de R$ 200 mil, dois meses antes da eleição para o governo do Maranhão, na qual ela (ainda no PFL, depois DEM) perdeu para o pedetista Jackson Lago.
Na mesma agenda, Roseana aparece numa anotação, a 14 de abril, ao lado da cifra de R$ 63 milhões.
Gaguinho, ou titio Ernane, Roseana nomeou chefe da Assessoria de Programas Especiais da Casa Civil. Ou seja, não precisa fazer nada, não, se não quiser. Uma sinecura.
(Páginas 109, 110 e 111 de “Honoráveis Bandidos”)
POR QUE CHAMAM O VICE DE CARCARÁ
O maranhense João do Vale deixou, no rol de suas incontáveis obras-primas, a composição que eletrizava o teatro Opinião, no Rio, e o teatro de Arena, em São Paulo, em pleno início da ditadura militar. O público entrava em catarse coletiva quando Maria Bethânia encerrava com a música de protesto mais cantada na época, de João do Vale:
“Carcará! Pega, mata e come!”
O xará do compositor, agora vice-governador, João Alberto de Souza, 73 anos, alguma coisa aprontou para ganhar o apelido de Carcará. O jornalista Oswaldo Viviani, do Jornal Pequeno, de São Luís, reaviva a memória de quem esqueceu e informa aos que nunca ouviram falar. Em 11 de março de 2009, quando se tornava cada vez mais evidente que as togas supremas reporiam Roseana em “seu” palácio, Viviani publicou a reportagem cujo título antecipa o horror:
Cadáveres da Operação Tigre assombram passado do vice de Roseana Sarney
Sou noventa por cento honesto. Assim João Alberto de Souza se definiu numa entrevista ao jornalista maranhense Walter Rodrigues, que, apesar da pena afiada, não conseguiu apurar até que ponto vão os dez por cento em que ele não é honesto. Em todo caso, se o vice de Roseana for noventa por cento bom, os dez por cento de maldade são capazes de promover uma chacina em massa. Tal se deu em 1990, na Operação Tigre, quando João Alberto era o vice de Epitácio Cafeteira, que renunciou para candidatar-se ao Senado. Relata o jornalista Viviani no Jornal Pequeno:
“A Operação Tigre foi desencadeada em Imperatriz com o propósito de varrer a criminalidade da região. Seu idealizador, o então governador João Alberto, deu uma espécie de licença para matar a seu subsecretário de Segurança Pública, o delegado classe especial Luís de Moura Silva (hoje condenado por chefiar o crime organizado no estado) e ao coronel José Rui Salomão Rocha (morto em novembro de 2005, em Fortaleza, em consequência de um enfarte)”.
O advogado José Agenor Dourado, que presidia a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, OAB, em Imperatriz, afirmou ao Jornal Pequeno que a Operação Tigre “se constituiu num dos maiores morticínios institucionalizados do país”. José Agenor compara:
“Foi mais grave do que os esquadrões da morte que agiram no Rio e em São Paulo nas décadas de 1960 e 70. Os esquadrões eram grupos de policiais insatisfeitos que atuavam à revelia do Estado. A Tigre foi incumbida de matar, assassinar, pelo próprio Estado. Ela foi determinada pelo próprio governador. Isso é muito mais detestável do que alguns policiais formarem um grupo de extermínio.”
Os detalhes da barbárie talvez jamais venham a ser conhecidos. Eis outra diferença: no tempo dos esquadrões, pelo menos a mídia documentava.
Outro advogado, Josemar Pinheiro, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, que enviou à Organização das Nações Unidas, ONU, dados sobre a operação, diz que os PMs pistoleiros que agiram em Imperatriz mataram em quatro meses mais de 100 pessoas: “bandidos notórios”, mas muita gente “com ficha policial limpa ou na condição de meros suspeitos”.
E foi assim que o povo passou a chamar João Alberto de Carcará. A segurança no Maranhão passaria a ser com ele a partir da queda de Jackson Lago. Tão logo tomou posse dia 17 de abril de 2009, Roseana anunciou que pediria licença médica por até quatro meses. Carcará reinaria nesse tempo. A barbárie iria voltar.” (‘Honoráveis bandidos’, páginas 121 e 122)
Caso irmãos Noleto: pai ‘encomendou’ assassinatos
Os irmãos Noleto foram sequestrados por policiais militares da “Operação Tigre” em 18 de junho de 1990, uma segunda-feira, às 16h aproximadamente.
Eles caminhavam pela rua onde moravam – a Oswaldo Cruz, no Bacuri – quando uma patrulha, formada pelos soldados Abel Rafael de Souza Neto, Milton Ferreira, Marivaldo da Silva e o cabo José Francisco dos Santos (o “Boquinha”), os deteve.
Em seguida, os dois irmãos foram jogados dentro do porta-malas da viatura policial – um Gol modelo da época, azul e branco, prefixo 542 PMMA. Um dia depois, na terça-feira, 19, Ildeneio e Ildean Noleto Martins apareceram mortos em Tocantinópolis (estado do Tocantins), às margens da entrada da rodovia Transamazônica, perto da GO-490. Eles estavam com as mãos amarradas para trás e amordaçados. Foram fuzilados com vários tiros na cabeça e no tórax.
Briga e facada – De acordo como Inquérito Policial Militar (IPM), presidido pelo tenente-coronel Antonio dos Santos Sousa, com data de 23 de setembro de 1991, foi Pedro Lopes Martins, de 53 anos, pai de Ildeneio e Ildean, o mandante da morte dos filhos.
Pedro Martins mantinha relações de amizade com vários oficiais do 3º Batalhão da Polícia Militar (BPM) de Imperatriz, ligados à “Operação Tigre”, particularmente com o major José Ernesto Aires da Costa. Desentendimentos por questões de divisão de bens – uma serraria (onde os irmãos trabalhavam), casas e lotes – teriam sido a motivação do duplo homicídio de encomenda. Com a morte da mãe, Rosimar Noleto Martins, em decorrência de câncer, os filhos queriam fazer o inventário dos bens. O pai, contudo, não concordava. Foram muitas as discussões sobre o assunto entre Pedro e os filhos, até que num domingo (17 de junho de 1990) o bate-boca habitual virou luta corporal, e Ildeneio feriu o pai com uma faca.
A ‘encomenda’ – Internado no Hospital São Rafael, o pai teria recebido a visita de policiais ligados à Operação Tigre e transmitido a eles a decisão de mandar dar cabo da vida dos filhos. Segundo consta no IPM, Pedro Lopes teria pago à polícia 30 mil cruzeiros (moeda da época) para eliminar os filhos.
A “encomenda” de Pedro Martins foi atendida à risca e rapidamente. Segundo o IPM, um dia depois da briga entre pai e filho (segunda, 18, à tarde), o sargento Antonio Mariano Bezerra Pereira, comandando interinamente o 3º BPM, recebeu ordem do major José Ernesto Aires da Costa para prender os irmãos. A ordem foi cumprida pela patrulha formada pelos soldados Abel, Milton e Marivaldo, e pelo cabo “Boquinha”, como já foi mencionado.
Às 20h do mesmo dia 18, conforme o IPM, o sargento Antonio Mariano recebeu uma nova ordem do major Aires: deveria levar os presos (que ainda estavam dentro da viatura, na garagem do 3º BPM), para um local na BR-010 (Belém-Brasília), perto do Parque de Exposições, onde os estariam aguardando os soldados Raimundo Nonato Lima, Wilson Machado Fonseca Filho, Antonio Luís dos Santos e o informante Gil Filho da Cruz.
O sargento Antonio Mariano e o soldado Evandro Pereira Varão conduziram a viatura Gol com os presos para entregá-los na BR-010. Chegando ao local indicado pelo major Aires, os irmãos Noleto foram retirados do Gol e atirados numa viatura C-20, cabine simples, ocupada pelos soldados Raimundo Nonato, Wilson Machado, Antonio Luís e pelo informante Gil. Os irmãos só reapareceriam no dia seguinte, em Tocantinópolis (TO), fuzilados.
(OV, 16.09.2006)
Filhas de vítimas da ‘Operação Tigre’ temem por volta da ‘polícia assassina’
CADÁVERES NO ARMÁRIO DE JOÃO ALBERTO
A jovem olha para a foto do pai, tirada no dia em que ele se casou com sua mãe. Acaricia a imagem, como se o papel brilhante fosse pele e pudesse sentir. Depois, pega outra foto: o pai está estendido num chão de terra vermelha, amarrado com as mãos para trás, amordaçado, morto. Os olhos da adolescente começam a ficar marejados. Ela contém a emoção a custo e fala ao Jornal Pequeno: “Quem tirou a vida do meu pai não tirou a vida de um bandido. Ele era um trabalhador. Os tiros que o mataram também arrancaram um pedaço importante de uma família, dos sonhos de uma família. Eu nunca soube – e nunca vou saber – o que é sentir o carinho, a presença, o amor de um pai. Quanto ao responsável por essa ‘Operação Tigre’ que matou meu pai, eu só temo pelo mal que ele pode continuar fazendo para a sociedade, porque para mim e para minha família ele não pode fazer mais nada pior do que já fez”.
A irmã da jovem, ao seu lado, evita olhar as fotos. Economiza as palavras, mas é incisiva: “Nunca vou aceitar que se tire a vida de alguém. Ainda mais a polícia, que tem o dever de proteger as pessoas”.
As autoras dos depoimentos acima são Inêz Natyelle, de 20 anos, e sua irmã, também adolescente, de 17. Natyelle era uma garotinha de apenas 4 anos em junho de 1990, quando seu pai, Ildeneio Noleto Martins – então com a mesma idade que a jovem tem hoje – foi assassinado. Sua irmã era quase um bebê, de menos de 2 anos.
Filhas de Ildeneio e de Marinês Martins de Albuquerque (hoje missionária da Igreja Batista), Natyelle e sua irmã são apenas parte das dezenas de órfãos deixados por uma certa “Operação Tigre”, desencadeada em Imperatriz com o propósito de “varrer” a criminalidade da região. Ildeneio Noleto Martins foi executado por policiais da “Tigre” junto com seu irmão Ildean, de 19 anos, que deixou viúva uma mulher grávida de 17 anos, com quem havia casado há apenas um mês.
Licença para matar – O idealizador da “Operação Tigre”, João Alberto de Souza, atual vice de Roseana Sarney e governador da época (ele assumiu em 3 de abril de 1990 como vice de Epitácio Cafeteira, que deixou o cargo para disputar o Senado), acreditava que o crime só poderia ser derrotado se combatido com o mesmo grau de violência que os criminosos ostentavam.
E assim foi feito. João Alberto deu uma espécie de “licença para matar” a seu subsecretário de Segurança Pública, o delegado classe especial Luís de Moura Silva (hoje condenado por chefiar o crime organizado no Estado) e ao coronel José Rui Salomão Rocha (morto em novembro de 2005, em Fortaleza, em consequência de um enfarte).
Centenas de policiais vieram de São Luís a Imperatriz de trem. E não tardou para a “Operação Tigre” mostrar a que viera. A partir de junho de 1990, raro era o dia em que pelo menos dois corpos com sinais claros de execução não aparecessem em alguma parte da cidade. O diretor do Sindicato dos Jornalistas de Imperatriz (Sindijori), Daniel Souza, que na época era repórter policial do jornal local “O Progresso”, juntou um “acervo” de mais de 70 fotos de cadáveres – só de pessoas mortas com características de execução na época da “Tigre”.
Pior que ‘Esquadrão da Morte’ – José Agenor Dourado, atual presidente da OAB-Imperatriz, que em 1990 era presidente da Comissão de Direitos Humanos da entidade, não tem dúvidas de que a “Operação Tigre” se constituiu num dos maiores morticínios institucionalizados do país.
“Foi mais grave do que os ‘esquadrões da morte’, que agiram no Rio e em São Paulo nas décadas de 60 e 70. Os ‘esquadrões’ eram grupos de policiais insatisfeitos que atuavam à revelia do Estado. A ‘Tigre’ foi incumbida de matar, assassinar, pelo próprio Estado. Ela foi determinada pelo próprio governador. Isso é muito mais detestável do que alguns policiais formarem um grupo de extermínio”.
Segundo Agenor Dourado, muita gente com dinheiro e conhecimento nas “rodas” políticas e policiais de Imperatriz começou a ver nos policiais da “Operação Tigre” apenas uma extensão dos pistoleiros de aluguel que proliferavam na cidade. “Um comerciante com bom trânsito na polícia ia lá e denunciava: ‘Fulano é bandido’. Depois de algum tempo, os policiais pegavam o sujeito e simplesmente matavam. Bastava ter amizades na polícia ou apadrinhado político para se livrar de algum desafeto”.
Não se sabe até hoje – e talvez nunca se saiba com exatidão – quantas pessoas foram executadas pela “Operação Tigre” do governador João Alberto. De acordo com o advogado Josemar Pinheiro, também ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, que enviou à Organização das Nações Unidas (ONU) dados sobre a operação, mais de 100 pessoas foram assassinadas pela polícia nos pouco mais de quatro meses em que os PMs pistoleiros atuaram na região de Imperatriz. Sabe-se que bandidos notórios sucumbiram crivados de balas, mas muita gente com ficha policial limpa – ou na condição de meros suspeitos – também foi morta. Entre eles, os irmãos Noleto.
(Oswaldo Viviani, matéria publicada no JP em 16 de setembro de 2006)
Nenhum dos responsáveis pela execução foi a julgamento
O Inquérito Policial Militar, presidido pelo tenente-coronel Antonio dos Santos Sousa, apontou como responsáveis pelo crime de homicídio contra os irmãos Ildeneio e Ildean Noleto Martins o major José Ernesto Aires da Costa, os soldados Wilson Machado Fonseca Filho, Raimundo Nonato Lima e Antonio Luís dos Santos, e o informante Gil Filho da Cruz.
Pedro Lopes Martins, pai de Ildeneio e Ildean, também foi apontado como envolvido, na condição de mandante dos assassinatos. Em seus depoimentos, o sargento Antonio Mariano Bezerra Pereira e o soldado Marivaldo Ramos da Silva denunciaram que foram pressionados para omitir a verdade sobre a prisão e a morte dos irmãos pelos seguintes oficiais: coronel José Rui Salomão Rocha, major José Nogueira Lago (comandante do 3º BPM em 1990), major José Ernesto Aires da Costa, capitão Astoclides Gomes de Oliveira, capitão José Mariano Almeida Neto, tenente Ivaldo Alves Barbosa e tenente José Raimundo do Rosário Jr.
Apesar da rigorosa apuração do IPM, nenhum dos responsáveis pela execução dos irmãos Noleto chegou a ser julgado. Porém, oito anos depois dos assassinatos, o Estado foi condenado a pagar uma indenização de cerca de R$ 130 mil, mais 4 salários mínimos mensais, à viúva de Ildeneio, Marinês. O processo referente à indenização da viúva de Ildean, Elizângela, ainda corria na Justiça em setembro de 2006.
Quanto ao destino dos envolvidos, o JP apurou que Pedro Lopes Martins morreu na Central de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ) de Imperatriz, vitimado por um ataque de úlcera, cerca de um mês após ter sido preso, em 1990. O soldado Wilson Machado Fonseca Filho morreu assassinado e o ex-cabo José Francisco dos Santos, o “Boquinha”, ainda vive em Imperatriz. O major José Ernesto Aires da Costa está aposentado.
(OV, 16.09.2006)
FERNANDO COMEÇA NO GOVERNO MALUF
(Pós-graduação em ‘Delinquenciologia’)
Fernando é o preferido da mamãe. Naqueles dias em que o pai assumia o mais alto posto do parlamento brasileiro, em que cumpria 50 anos de carreira política, se você entrasse no Google e digitasse "Fernando Sarney", entenderia imediatamente porque naquele 2 de fevereiro de 2009, com vitória retumbante e tudo o mais, não estava "descendo redondo" goela abaixo de José Sarney.
Logo de cara, podíamos ler no Google: "Polícia Federal pediu a prisão preventiva de Fernando Sarney". Logo abaixo, "JB Online - Polícia Federal quer ouvir Fernando Sarney".
Mas vamos clicar na terceira notícia, da Veja Online. O título diz: "A família de 125 milhões de reais... e um genro". O texto reproduz a reportagem da revista Veja impressa, número 1.742, de 13 de março de 2002, cuja manchete de capa diz:
"A candidata que encolheu"
Refere-se ao famoso caso Lunus: um monte de notas de 50, num total de 1 milhão e 350 mil reais, que a Polícia Federal encontrou na sede da empresa do casal Jorge Murad-Roseana Sarney.
Roseana, que subia que nem rojão como candidata do extinto PFL, Partido da Frente Liberal, murchou junto com o marido Jorge na tentativa de explicar a origem e a destinação da dinheirama. Deram sete versões, a conta do mentiroso. José Sarney e dona Marly jamais perdoarão os arquitetos da Operação Lunus,
Mas ali já despontava a estrela de Fernando, o verdadeiro portador da chave que abre e fecha os cofres do clã. O queridinho de dona Marly, assim que se formou engenheiro pela Escola Politécnica de São Paulo, foi fazer pós-graduação em Delinquenciologia, trabalhando como assessor do secretário de Transportes Leon Alexander. No governo de quem? Claro, de Paulo Maluf (1978-1982).
Leon Alexander era responsável pela construção das estradas vicinais paulistas, que de fato só seriam abertas no governo Orestes Quércia (1986-1990). Maluf acolheu Fernando numa deferência especial a Sarney, então presidente do PDS, Partido Democrático Social, sucessor da Arena, a Aliança Renovadora Nacional, partido de sustentação da ditadura militar, que ele mesmo, Sarney, havia presidido.
Entregar aos cuidados do governador paulista o filho Fernando, que seria o cérebro a comandar seu império, mostra o grau de camaradagem que Sarney cultivava com Paulo Maluf. A tal ponto que Maluf aceitou, sem pestanejar, a indicação de outro grande amigo de Sarney para a função de diretor administrativo da companhia de águas de São Paulo, a Sabesp: Tauser Quinderê.
Helito Bastos, subchefe da Casa Civil no governo Maluf, paulista de Amparo, define Quinderê como "uma das figuras mais simpáticas que já passaram pela face da Terra". Ele daria nome ao auditório da Sabesp, na Rua Costa Carvalho, no bairro paulistano de Pinheiros, onde as empresas devem apresentar documentos quando querem participar de alguma - e não é piada pronta - licitação.
O ‘homem da mala’ de Sarney morre no aeroporto
Tal era a confiança de Sarney em Tauser Quinderê - nascido em Codó e ex-dono da Companhia Maranhense de Mineração -, que o usou como pombo-correio.
Por mais de 20 anos, de tempos em tempos, Tauser ia pessoalmente à Suíça levar a mala com as "economias" de Sarney.
Certo começo de tarde, instalado numa mesa do Bar da Onça, no térreo do edifício Copan, em São Paulo, Helito, bisneto do Barão de Amparo, conta, entre talagadas de uísque:
"Na ditadura, não tinha esse problema, na Suíça entra tudo, então ia com a mala. Não tinha negócio de doleiro não, economizava os quatro por cento do doleiro. E, numa dessas viagens, em Genebra, o Tauser teve um ataque fulminante do coração e morreu, no saguão do aeroporto. Atenderam o Tauser e levaram a mala. O Sarney ainda não era o bilionário que é hoje, mas já era um homem rico. Tinha sido governador, era senador, já tinha os diretorezinhos e o próprio Fernando Sarney na Eletronorte, o Astrogildo Quental levantando dinheiro para ele, que estava começando a argamassar a fortuna. E nessa mala tinha muito. Era uma mala de viagem lotada de dinheiro. E o Tauser morre com ela. Como o Sarney é sabidamente sovina, o Tauser viajava sozinho, de classe econômica, aquelas coisas, sem acompanhante, nada. Pegaram o corpo do Tauser e a grana não apareceu até hoje. Tem mais um rico no mundo."
Esse Astrogildo Quental, que aparece em escutas da Polícia Federal nomeado como "Astro", voltará a participar de outros capítulos deste livro.
Depois de dois belos goles de uísque, com o copo longo envolto num guardanapo de papel, a aristocrática figura do ex-subchefe da Casa Civil de Maluf retoma o fio da história:
"Ao saber da notícia de que perdeu o fiel escudeiro - e também a mala -, o coração de Sarney fraquejou. Impactado por ambas as perdas, deixou Brasília em direção aos cardiologistas de São Paulo. No learjet do dono do cimento Cauê, o mineiro Juventino Dias, dona Marly acompanhou o marido enfartado com o rosário nas mãos."
Helito garante que, naquela época, Quinderê era uma espécie de preceptor do jovem Fernando Sarney. Ou seja, trabalhando com um secretário de Transportes de Paulo Maluf, Fernando aprendeu todos os pulos-do-gato em sua pós-graduação.
Para Fernando Sarney, dinheiro dá em árvore
Tempos depois, já um cleptocrata de alto coturno, quando o pai deixava a Presidência, Fernando Sarney teria a oportunidade de pôr em prática o que de melhor havia aprendido com Maluf.
Nessa altura, Maluf estava rompido com Maluf, desde a convenção do PDS em 1984. Ali, os dois brigaram porque Maluf, em vez de apoiar o ministro dos Transportes, Mario Andreazza, candidato de João Baptista Figueiredo, o quinto e último general de plantão, decidiu sair com sua própria candidatura. A passagem é conhecida: o mineiro Tancredo Neves, tendo Sarney como vice, venceu no Colégio Eleitoral. Mas adoeceu e morreu, deixando de presente para José Sarney um mandato inesperado de presidente da República, que vigorou de 1985 a 1990.
Aqui cabe, entre parênteses, uma nota para quem gosta de futurologia do passado. Tancredo chegou a procurar Paulo Maluf para sondar se toparia ser seu vice, para mais facilmente derrotar a ditadura em se próprio campo, o Colégio Eleitoral. Maluf não topou. Se topasse, seria ele, Maluf, o presidente, em vez de Sarney...
O clã fica sabendo do confisco de Collor
O novo golpe de mestre de Fernando Sarney se dará então na nova transição de governo. Fernando Collor, que havia acabado de vencer Lula no segundo turno das eleições de 15 de novembro de 1989, chamou José Sarney para uma conversa reservada poucos dias antes de tomar posse. Conversa entre presidente que sai e presidente que entra. Collor ia tomar posse dia 15 de março de 1990, uma quinta. Ele pediu a Sarney que decretasse feriado bancário, a fim de facilitar a tomada de medidas econômicas do novo governo.
Só quem viveu aqueles dias sabe a hecatombe que aconteceu. Não só os 31 milhões de brasileiros que votaram em Lula, mas também os 35 milhões que votaram em Collor caíram das nuvens naquele início de novo governo. Collor confiscou por 18 meses as contas bancárias acima de 50 mil cruzados de todos os cidadãos e empresas - muitas delas pela primeira vez em sua história deixaram de pagar os funcionários em dia.
Houve gente que havia poupado durante anos e anos e só contava com aquela soma para tocar a vida, gente que tinha acabado de vender a casa para construir outra, gente que se suicidou, e toda sorte de atropelo para milhões de brasileiros. Não se sabe até que ponto Collor informou Sarney, mas com certeza o clã ficou sabendo que haveria confisco.
O resgate da dinheirama
Um passarinho contou a Fernando Sarney, ou terá sido um bumba-meu-boi. Usando suas prerrogativas de filho do presidente da República, Fernandinho sorrateiramente dirigiu-se à agência do extinto BBC, Banco Brasileiro Comercial, de propriedade do ex-governador goiano e ex-senador Irapuã Costa Júnior, para combinar o resgate de dezenas de certificados de depósitos bancários (CDBs) ao portador. Não era pouco. Foi preciso fretar um carro blindado, como um daqueles da Brink's, para retirar a dinheirama, que saiu do subsolo do BBC no Setor Comercial Sul da capital federal. Fernando Sarney comandou a operação pessoalmente.
A capacidade dessa gente de escapar das maiores safadezas de que se tem notícia neste país é de dar um friozinho na barriga, ao imaginar que nem uma Operação Mãos Limpas poria esses colarinhos sujos atrás as grades.
O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e Fernando Sarney
Ora veja que, em 2001, sequer uma Comissão Parlamentar de Inquérito relou um dedinho deles. Foi a CPI da CBF-Nike, e quem tentou mexer com eles foi quem se estrepou: a editora Casa Amarela, que publicava a revista Caros Amigos, produziu um livro-reportagem sobre a maracutaia e amargou o prejuízo de ver o trabalho impedido de sair pela Justiça. O presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, se safou mais uma vez. Ele e seu vice predileto, Fernando Sarney.
Ricardo e Fernando, grandes admiradores de George Washington, aquele presidente norte-americano estampado nas notas de dólar, esses dois, quando eu escrevia este livro, semeavam já para a safra de 2014. Nos gramados da Copa do Mundo, plantariam para obter a maior colheita de verdinhas da história do Brasil.
Saco sem fundo, eles parecem. Fernando, um dos vices-presidentes da CBF, antes da Operação Boi Barrica, tinha vasta pretensão: chegar a presidente da entidade-mor do futebol brasileiro, sob a bênção de Ricardo Teixeira.
Todo mundo sabe da grande amizade entre os dois. Ricardo sempre foi presença certa nas comemorações da família Sarney. Imagine o que a dupla vinha maquinando para faturar na Copa de 2014. Construção ou reforma de estádios? Muito pouco. Era sintomático que Ricardo Teixeira viesse se batendo pela privatização da Infraero, que toma conta dos aeroportos. Dizia que o país só poderia ser sede de uma Copa de padrão de primeiro mundo com aeroportos modernizados. A idéia geral era deixar Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, envergonhado com a mixaria que a turma dele faturou no Pan-Americano do Rio, em 2007.
Ricardo Teixeira e Fernando Sarney iriam provar, na Copa de 2014, que dinheiro pode dar em árvore, sim.
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