terça-feira, 31 de maio de 2011

A geografia do ódio

Grupos racistas dos EUA concentram-se em certas regiões – e a presença deles correlaciona-se com religião, votos em McCain e pobreza

Richad Florida no The Atlantic


Com a morte de Osama Bin Laden, muitos acreditam que a Al Quaeda recebeu um golpe mortal. O tempo dirá, mas como já aprendemos com o atentado na cidade de Oklahoma e com o tiroteio feito por Nidal Malik Hasan em Fort Hood, temos muito o que temer de nossos próprios extremistas em expansão. E não apenas de “loucos solitários” agindo por conta própria.

Desde 2000, o número de grupos extremistas organizados – desde brancos nacionalistas, neonazistas e skinheads racistas até guardas de fronteiras e grupos negros separatistas – aumentou mais de 50% de acordo com a organização Southern Poverty Law Center (SPLC). O crescimento destes grupos foi alimentado pela crescente ansiedade em relação ao  mercado de trabalho, à imigração, à diversidade étnica e racial, à eleição de Barack Obama como o primeiro presidente negro dos EUA e à longa crise econômica. Muitos deles apenas engajam-se em teorias violentas; já outros estão estocando armas e efetivamente planejando ataques.
Mas nem todas as pessoas e lugares odeiam a igualdade; algumas regiões dos Estados Unidos – pelo menos em alguns setores de suas populações – são potenciais incubadoras do ódio. Qual é a geografia dos grupos e organizações de ódio? Por que algumas regiões são mais suscetíveis a eles?

A organização SPLC mantém um banco de dados detalhado sobre grupos de ódio, recolhido de sites e publicações, relatórios de cidadãos e de aplicações de leis, fontes em campo e da imprensa. A SPLC define grupos de ódio como organizações e associações que “têm crenças ou práticas que agridem ou caluniam uma classe inteira de pessoas, tipicamente por suas características imutáveis,” e que participam de “atos criminosos, marchas, comícios, discursos, encontros, panfletagens e publicações.” Em 2010, a SPLC documentou 1.002 destes grupos em todo o país.

O mapa abaixo, de Zara Matheson do Martin Prosperity Institute, representa graficamente a geografia do ódio nos EUA atualmente. Baseado no número de grupos de ódio por milhão de habitantes em todos os estados do país, ele revela um padrão característico.

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Grupos de Ódio Ativos nos EUA por milhão de habitantes

Grupos de ódio estão altamente concentrados no velho Sul e nos estados de planície do norte. Dois estados têm, de longe, a maior concentração desses grupos – Montana com 13.8 grupos por milhão de habitante, e Mississipi com 13.7 por milhão. Arkansas (10.3), Wyoming (9.7) e Idaho (8.9) vêm em distantes terceiro, quarto e quinto lugares.

Tais grupos estão muito menos concentrados no Nordeste, nos Grandes Lagos e na Costa Oeste. Minesota tem a menor concentração de grupos de ódio, com 1.3 grupos por milhão de pessoas, quase dez vezes menos que o estado que lidera, seguido por Wisconsin (1.4), Novo México (1.5), Massachusetts (1.6) e Nova Iorque (1.6). Connecticut (1.7), Califórina (1.9) e Rhode Island (1.9) têm todos menos que dois grupos por milhão de pessoas.

Mas além de suas localizações, que outros fatores estão associados aos grupos de ódio? Com o auxílio de minha colega Charlotta Mellander, eu ponderei sobre os fatores sociais, políticos, culturais, econômicos e demográficos que poderiam estar associados com a geografia dos grupos de ódio. Consideramos um conjunto de fatores-chave que conformam a divisão geográfica dos Estados Unidos: estados “republicanos” / estados “democratas”; renda e pobreza; religião e classe econômica. É importante observar que correlação não implica causação – estamos apenas analisando associação entre variáveis. Também é importante ressaltar que Montana e Mississipi são consideravelmente muito discrepantes, o que pode distorcer um pouco os resultados. Entretanto, os padrões que encontramos são robustos e distintos o suficiente para justificar os dados.

Antes de tudo, a geografia do ódio reflete a ordenação da política nos Estados Unidos, ou seja, de estados que votam majoritariamente em candidatos à presidência do Partido Republicano (Red state) e dos que votam predominantemente em candidatos à presidência do Partido Democrata (Blue state).

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Correlação entre percentual de votantes de McCain com grupos de ódio (per capita).

Grupos de ódio estão positivamente associados com votos em McCain (com uma correlação de 52%).
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Correlação entre percentual de votantes de Obama com grupos de ódio (per capita).

De modo oposto, grupos de ódio estão negativamente associados com votos em Obama (com uma correlação de -54%).
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Correlação entre religião e grupos de ódio (per capita).

Grupos de ódio também dividem-se com base em linhas religiosas. Ironicamente, mas talvez não de modo surpreendente, as maiores concentrações de grupos de ódio estão positivamente associadas a estados nos quais os indivíduos relatam ter a religião um papel importante no cotidiano (uma correlação de 35%).

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Correlação entre capital humano e grupos de ódio (per capita).

A geografia do ódio também reflete a classificação da população segundo níveis de educação e capital humano. Grupos de ódio estão negativamente associados ao percentual de adultos que portam um diploma universitário (-41%).
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Correlação entre classe operária e grupos de ódio (per capita).

A geografia do ódio também traz divisões em termos econômicos. Grupos de ódio estão mais concentrados em estados com altas taxas de pobreza (39%) e naqueles com forças de trabalho das indústrias de base (blue-collar) (41%).

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Correlação entre "profissões criativas" e grupos de ódio (per capita).

Estados mais ricos com maior concentração de trabalhadores em “ocupações criativas” (estas incluem ciência e tecnologia; negócios e administração; educação, direitos e medicina; e artes, cultura e entretenimento) proporcionam ambientes menos férteis para o ódio. Grupos de ódio estavam negativamente associados com níveis de riqueza (-36%) e com o percentual de trabalhadores em profissões “criativas” (-48%).

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Correlação entre imigração e grupos de ódio (per capita).

Grupos de ódio também refletem a base de abertura, tolerância e diversidade de uma região. Tais grupos estão negativamente correlacionados com concentrações de famílias de gays e lésbicas (-37%) e ainda mais onde há altas concentrações de imigrantes (-53%).

A geografia dos grupos de ódio resulta da mais geral divisão da população dos EUA em termos de política e ideologia, religião, educação, níveis de riqueza e classe social. Mas a presença de grupos de ódio não conduz, necessariamente, a crimes de ódio. Um estudo de 2010 sobre Grupos de Ódio e Crimes de Ódio, dos economistas Matt Ryan e Peter Leeson, não encontrou conexão empírica entre os dois dados. Traçando a associação entre grupos de ódio e crimes de ódio entre 2002 e 2006, eles descobriram que enquanto o número de organizações de ódio cresceu substancialmente, o número de crimes não – na verdade, tais crimes tiveram ligeira queda. Entretanto, eles encontraram forte relação entre crimes de ódio e condições econômicas adversas, particularmente desemprego e grau de pobreza extrema. Os pesquisadores sugerem que crimes de ódio seguem o padrão descrito há bastante tempo na clássica tese da frustração-agressão que, como seu nome indica, associa agressão a altos níveis de frustração: “Quando as pessoas enfrentam dificuldades econômicas, elas ficam frustradas”, escrevem Ryan e Leeson. “Eles canalisam a frustração em grupos sociais vulneráveis, como minorias étnicas, sexuais e religiosas.”

Ainda que grupos de ódio não estejam diretamente conectados com crimes de ódio, eles provêm da mesma base de fatores econômicos que dividem a população dos EUA por classe, ideologia e política. Grupos de ódio, assim como crimes de ódio, estão fortemente associados à miséria. A geografia do ódio nos Estados Unidos reflete e reforça a profunda “geografia” de classes do país.

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