Recebi um e-mail do N, com Y, com o seguinte texto, não mudei uma linha, nem das observações, mas assino em baixo.
O exílio de dois brasileiros na França
Como vive o casal que pediu refúgio político à França
para fugir dos assassinos do ex-prefeito Celso Daniel
“Você vai nos reconhecer. Somos um casal estranho. Eu sou baixinha com cara de japonesa, Bruno é alto com cara de italiano.”
O último dos vários e-mails trocados ao longo de dois meses deixa clara a preocupação de Marilena Nakano, 61 anos, com a segurança. O encontro é marcado em local público. Ao seu lado, em uma saída de estação de metrô na periferia de Paris, surge seu marido, Bruno José Daniel Filho, 56 anos – um dos irmãos de Celso Daniel, ex-prefeito da cidade paulista de Santo André, assassinado em 2002. O casal “estranho” na aparência vive há três anos na França, em endereço não revelado e em circunstâncias ainda mais exóticas: são refugiados políticos reconhecidos pelo governo francês. Deixaram o Brasil para não virar estatística. No caso, os números nove e 10 na lista de pessoas mortas em circunstâncias suspeitas, todas relacionadas de alguma forma ao caso Celso Daniel.
A descrição do e-mail foi fiel. Bruno José, quase um 1m90cm, magro, cabelo batido e queixo proeminente, destoa de Marilena, enquanto caminham de braços dados pelas ruas de uma das pequenas cidades da banlieue, a periferia parisiense. Marilena é quem mais fala durante as duas horas de conversa em um café. Deixa transparecer indignação, tristeza e, às vezes, até bom humor. Bruno fala pouco e tenta, mas não consegue, sorrir. A morte traumática do irmão seria apenas o primeiro episódio a roubar-lhe qualquer possibilidade de voltar a ter uma existência tranquila. Quem define o trauma é Marilena:
– Lidamos com duas mortes. Uma foi a do Celso. A outra foi a morte simbólica de companheiros do PT. De companheiros, não têm nada.
O abandono de ex-companheiros
Foi em função da segunda morte, mais do que da primeira, que o casal desembarcou na França no dia 1º de março de 2006. No segundo semestre de 2005, Bruno, então professor de Economia da PUC-SP, percebeu que o único resultado da luta para desvendar o assassinato do irmão foi o isolamento da família. Restavam ele e Marilena, ambos ex-petistas históricos, como dois Davis batendo de frente com interesses aparentemente ocultos, que se materializavam em duas frentes. Primeiro, na Polícia Civil, que, com apenas três meses de investigação, em abril de 2002, concluiu que o assassinato não passou de crime comum – Celso teria sido sequestrado por engano, no lugar de um empresário. Em segundo, na suposta debandada de companheiros históricos do PT, ocorrida por volta de 2003. Marilena conta:
– A nossa última tentativa de obter apoio do PT foi quando tivemos acesso às fotos da necropsia. Elas mostram que Celso foi torturado. Chamamos alguns petistas, um a um, para dizer “você vai ver o que nós vimos, e a gente está pedindo pela última vez: vocês têm de fazer alguma coisa”. Nunca moveram uma palha.
A indiferença inicial de ex-companheiros se tornaria repúdio aberto à atuação do casal a partir de 6 de outubro de 2005. Bruno confirmou, em depoimento à CPI dos Bingos, ter ouvido de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um relato sobre corrupção na prefeitura de Santo André com arrecadação de propina para o PT. A participação na CPI foi a gota d’água para acabar com qualquer relação entre o partido e a família Daniel.
Falta de dinheiro gera dificuldades
O embate do casal e de outro irmão da vítima, João Francisco Daniel, hoje respira graças à intervenção do Ministério Público (MP) de São Paulo. Após avaliar que a investigação policial apresentava questões não esclarecidas, o MP solicitou, em 2002, a reabertura dos trabalhos. Desde então, os esqueletos não pararam de sair do armário. Oito pessoas foram denunciadas pelo assassinato. Outras oito relacionadas ao caso morreram em circunstâncias misteriosas.
– Começamos a sofrer ameaças de forma mais intensa depois que o legista veio a público e disse “Celso foi torturado, não foi um crime comum”. Era a fala de um especialista. Antes de concluir o relatório, foi encontrado morto – conta Bruno.
As ameaças, em telefonemas suspeitos, levaram a polícia a providenciar segurança 24 horas para Bruno. Até que um telefonema feito a uma tia da família deixou claro: um dos sobrinhos de Celso seria morto caso os irmãos do ex-prefeito não deixassem o país. O casal tratou de providenciar a partida dos três filhos.
– Em seguida, caiu a ficha: estávamos pensando nos filhos. Mas e nós? Quando começamos a pensar na saída deles, era mais ou menos inescapável pensar na nossa saída também.
Em março de 2006, o casal chegaria à França, país escolhido pela proximidade cultural – Marilena havia estudado lá por seis meses na época da morte de Celso – e pela tradição em acolher refugiados políticos. O status de refugiado foi obtido no segundo semestre de 2006, após avaliação do Ofício Francês de Proteção aos Refugiados e Apátridas. A tarefa não costuma ser fácil: apenas 10% dos estrangeiros que solicitam o refúgio são aceitos. Em 2006, os Daniel foram a única família brasileira a obter o status – que lhes permite trabalhar e viver legalmente –, graças às comprovações de que poderiam ser mortos caso voltassem ao Brasil. Os dois levaram uma vida secreta no Exterior até o início deste ano, quando resolveram voltar a se manifestar através de cartas abertas a instituições brasileiras.
A dificuldade do casal hoje é de ordem financeira. Contam com a ajuda de amigos para sobreviver e recorrem a trabalhos eventuais, cada vez mais escassos em tempos de crise econômica europeia. Marilena está recorrendo ao seguro-desemprego. Bruno tenta rir da ironia do destino:
– No Brasil, eu dava aula justamente sobre Estado de bem-estar social. Agora a gente tem um status aqui de família de baixa renda, então recorremos ao Estado de bem-estar social e sofremos as mesmas agruras das pessoas francesas de baixa renda. Eu não desejo o exílio para ninguém. Deixamos amigos, família, nosso país, nosso trabalho. Tudo isso perdemos. Tínhamos uma vida regular. Perdemos.
Entenda o caso
- Prefeito de Santo André, Celso Daniel (foto) foi assassinado com oito tiros em janeiro de 2002. Ele era coordenador do plano de governo do então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
- As investigações apontaram para um sequestro. No entanto, depoimentos a promotores indicaram a possibilidade de homicídio político.
- Segundo testemunhas, uma quadrilha teria sido contratada para matar o ex-prefeito porque ele teria ameaçado denunciar companheiros petistas por suposto desvio de dinheiro extorquido de empresários.
- Acusado de ser o mentor do crime, o empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, era amigo de Daniel e o acompanhava na noite do sequestro. Sombra é suspeito de ser o arrecadador das propinas.
- O PT e a Polícia Civil sustentam a tese de que houve crime comum (sequestro seguido de morte). Já o MP e a família de Celso Daniel defendem a teoria de crime premeditado por vingança.
Rápida observação sobre a entrevista transcrita acima:
Durante a campanha eleitoral que contrapôs Lula à Serra, a atriz Regina Duarte, peesedebista histórica, foi à televisão dizer que estava com medo do que aconteceria se Lula fosse eleito. Não era uma afirmação muito pior do que as feitas pela campanha petista contra Serra e seu continuísmo do governo FHC, mas Regina era Regina, um nome de peso, e foi crucificada por expor sua posição de apoio a um candidato não petista.
Anos antes tinha acontecido algo parecido com Marília Pera. Quem critica o PT sempre corre o risco de ser, no mínimo, crucificado.
Pois bem, como se vê no texto acima, Regina acertou no sentimento, mas errou nos motivos. Dizia temer a mudança que a eleição de Lula significaria no que considerava havia bom no governo FHC.
Errou feio.
Pouco mudou, e Lula fez um governo tanto ou mais peesedebista do que Serra faria. As coisas que Regina citou como exemplo de "bom" tiveram seguimento, apenas rebatizadas. Mas a corrupção explodiu e fatos com o do assassinato de Celso Daniel pipocaram pelo país.
Desde então muita gente boa abandonou o PT e outro tanto buscou se esconder com medo. De que? Nem Regina ousou citar. Mas o fato é que o medo, afinal, se espraiou, mostrando que por linhas tortas ela, afinal, havia acertado.
O link para a entrevista no jornal:
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