domingo, 6 de junho de 2010

A verdade por trás da propaganda israelense

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Primeiro um texto de apresentação.

Depois um texto do apresentado.

Um daqueles jornalistas que todos os jornalistas gostariam de ser.

Leiam.

N.

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Filho de um ex-soldado britânico da Primeira Guerra Mundial, Robert Fisk estudou jornalismo na Inglaterra e Irlanda. Trabalhou como correspondente internacional na Irlanda - cobrindo os acontecimentos no Ulster - e Portugal. Em 1976, foi convidado por seu editor no The Times para substituir o correspondente do jornal no Oriente Médio. Fisk trabalhou para o The Times até 1988, quando se mudou para o The Independent - após uma discussão com seus editores sobre a modificação de seus artigos, sem seu consentimento.

Robert Fisk cobriu a guerra civil do Líbano (iniciada em 1975), a invasão soviética de Afeganistão (1979), a guerra Irã-Iraque (1980-1988), a invasão israelense do Líbano (1982), a guerra civil na Argélia, as guerras dos Balcãs e a Primeira (1990-1991) e aSegunda Guerra do Golfo Pérsico (2003). Fisk notabiliza-se também pela cobertura ao conflito israelo-palestino. Ele é um defensor do diálogo dos países árabes e do Irã com Israel.

Considerado como um dos maiores especialistas nos conflitos do Oriente Médio, Fisk contribuiu para divulgar internacionalmente os massacres na guerra civil argelina e nos campos de refugiados libaneses de Sabra e Chatila, os assassinatos de Saddam Hussein, as represálias israelenses durante a Intifada palestina e as atividades ilegais do governo dos Estados Unidos no Afeganistão e Irak.

Fisk também entrevistou Osama bin Laden, líder da rede terrorista Al-Qaeda, em 1993 (no Sudão) e 1997 (no Afeganistão). As duas entrevistas estão no monumental "A grande guerra pela civilização", editado no Brasil pela Planeta em 2007 e cujas 1493 páginas a gente lê sem sentir.

Robert Fisk é o correspondente estrangeiro britânico mais premiado. Recebeu o Prêmio Correspondente Internacional Britânico do Ano sete vezes (as últimas em 1995 e 1996).

Também ganhou o Prêmio à Imprensa da Anistia Internacional no Reino Unido em 1998 e 2000.

Se existe um nome respeitado, na imprensa internacional, é ele.

Então, vamos a seu texto:

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Robert Fisk:


A verdade por trás da propaganda israelense


5/6/2010, The Independent, UK


Eu também, claro, horrorizei-me ao ver homens armados abordando navios em águas internacionais, matando passageiros a bordo que tentavam resistir e em seguida sequestrando o barco e atracá-lo em porto nacional dos piratas sequestradores. Falo, claro, dos piratas somalis que agem em águas ocidentais no Oceano Índico. Como se atrevem, esses terroristas, a tocar em nossos barcos desarmados em alto mar? Temos todo o direito de enviar nossos navios de guerra, para impedir a ação desses terroristas.

Mas... ufa! Sorte, que os israelenses não cobraram resgate! Só querem que os jornalistas vençam, em nome deles, a guerra da propaganda.

A semana mal raiara, e “comandos” de Israel atacaram um barco turco que levava ajuda humanitária para Gaza e mataram nove passageiros. No final da semana, os que protestaram contra esse assalto já estavam convertidos em “ativistas pacifistas armados”, antissemitas pervertidos, que “professam o pacifismo, mas destilam ódio, atacando outros seres humanos com porretes de metal”. Gostei da parte ficcional. A evidência de que os seres humanos que se defenderam com barras de metal estavam recebendo tiros à queima-roupa foi varrida dessa estranha versão dos fatos.

Declaração de uma família turca, de que seus filhos haviam dito que queriam ser mártires – coisa que muitos membros de muitas famílias turcas diriam, se seus parentes fossem assassinados à queima-roupa por israelenses – foram convertidas em prova de que o barco turco conduzia jihadis.

“Naquele barco”, escreveu-me alguém nascido no Sri Lanka, “estavam minha sobrinha, meu sobrinho e a esposa. Infelizmente, Ahmed (meu sobrinho, 20 anos) foi ferido à bala na perna e está hospitalizado, sob custódia militar. Havendo notícias, escrevo.” E escreveu. Poucas horas depois, a imprensa cercou a casa da família na Austrália, perguntando se Ahmed seria jihadi – ou, talvez, potencial suicida-bomba. A propaganda funciona, vejam só.

Não vimos um bit de filme dos protestos, em todo o mundo, porque os israelenses confiscaram tudo. Ninguém explicou por que – se o barco turco conduzia gente tão perigosa – o terrível complô para ajudar os “terroristas” de Gaza não foi descoberto durante a longa viagem desde a Turquia, sequer quando o barco atracou noutros portos. Pois o professor Gil Troy da Universidade McGill em Montreal – em matéria publicada no raivoso e fanático Canadian National Post, é claro – ainda repetia esse lixo sobre “ativistas pacifistas armados”, na 5ª-feira.

Pessoalmente, a matança no barco turco não me surpreendeu. No Líbano, vi esses esquadrões da morte, simulacros de exército, em ação – simulacros de exército, como são também os esquadrões da morte (“grupos de elite”) dos exércitos árabes –, matando civis. Vi-os também, assistindo sem intervir ao massacre de palestinos em Sabra e Shatila na manhã de 18 de setembro (último dia da matança); naquela ação, foram substituídos pelos aliados viciosos das milícias libanesas, mais do mesmo. Eu os vi, em Qana, no primeiro massacre de palestinos por pistoleiros israelenses, em 1996; um dos pistoleiros, na imprensa israelense, chamou os 106 civis mortos de “Arabushim” (termo racista e ofensivo para “árabes”). Mais da metade dos mortos eram crianças. Pouco depois , o governo israelense de Shimon Peres (Prêmio Nobel da Paz!), disse que havia terroristas entre os civis. Mentira, mas... quem liga? E depois, veio o segundo massacre de Qana em 2006 e depois a matança de 1.300 palestinos no ataque de Israel a Gaza em 2008-09, e depois...

Ora, depois veio o Relatório Goldstone, que descobriu que o exército de Israel (e o Hamás) cometeram crimes de guerra em Gaza. Mas todos foram declarados antissemitas – o pobre respeitável juiz Goldstone, ele próprio judeu, além de renomado jurista sul-africano, massacrado também, e declarado “homem do mal” pelo abominável Al Dershowitz de Harvard. – E o relatório foi decretado “controverso” pelo bravo governo Obama. “Controverso”, em inglês, significa “fuck you”. Há dúvidas sobre o relatório. Negócio barra pesada.

Mas voltemos à nossa cronologia. Depois, houve o assassinado, pelo Mossad, de um dirigente do Hamás, em Dubai. Os israelenses usaram pelo menos 19 passaportes britânicos e de outros países, roubados e adulterados. Qual foi a patética reação do então secretário de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, David Miliband? Disse que fora “um incidente”. Não o assassinato em Dubai, vejam só, mas a adulteração dos passaportes, assunto super “controverso”, claro. E depois... Aí está. Agora, nove pessoas foram assassinadas a tiros, no mar, por mais dúzia e meia de heróis de Israel.

O engraçado é que tantos jornalistas ocidentais – e incluo aqui a acovardada cobertura da BBC, do ataque aos barcos de ajuda humanitária – estão escrevendo exatamente como a maioria dos jornalistas israelenses. Ao mesmo tempo, muitos jornalistas israelenses escrevem, em Israel, com a coragem que se deveria esperar da ‘mídia’ ‘livre’. E escrevem lá, contra o exército israelense.

Vejam Amos Harel, no Haaretz[1], em matéria na qual analisa a formação do corpo de oficiais do exército de Israel. No passado, muitos saíam dos kibbutz de tradição socialista, de Telavive ou das planícies costeiras de Sharon. Em 1990, só 2% dos cadetes do exército eram judeus ortodoxos religiosos. Hoje, essa proporção já chega a 30%. Seis, dos sete tenentes-coroneis da Brigada Golani, são religiosos. Mais de 50% dos comandantes locais são religiosos “nacionais”, em algumas brigadas de infantaria.

Nada de mal, em alguém ser religioso. Mas – e embora Harel não destaque esse aspecto, apenas registre – muitos dos judeus ortodoxos apoiam a colonização da Cisjordânia e opõem-se à criação de um Estado palestino.

E os colonos ortodoxos são os que mais odeiam os palestinos, e querem tanto detonar qualquer chance de haver Estado palestino, quanto alguns oficiais do Hamás gostariam de detonar o Estado de Israel. Por ironia, foram os antigos oficiais do “velho” exército israelense, que estimularam os “terroristas” do Hamás a construir mesquitas em Gaza. Pretendiam contrabalançar, com mesquitas, o crescimento do “terrorista” Yasser Arafat, em Beirute. E fui testemunha de uma de suas reuniões. Mas a coisa continuará como sempre, a velha história, até que o mundo acorde. “Nunca vi exército mais democrático que o exército de Israel”, disse o infeliz filósofo francês Bernard-Henri Lévy, horas antes do morticínio.

É, o exército de Israel não tem rival, é a elite, é humanitário, heroico. Esperem só até os piratas somalis saberem disso!


[1] Ver “Has the IDF become an army of settlers?” [O exército de Israel converteu-se em exército de colonos religiosos fundamentalistas?], 6/6/2010, em http://www.haaretz.com/print-edition/opinion/has-the-idf-become-an-army-of-settlers-1.289151.






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