quinta-feira, 17 de junho de 2010

A corrupação PeTralha, para ativar a memória

. Do livro: O CHEFE

José Renan Vasconcelos Calheiros teve vida modesta até virar político. Filho de pequeno produtor rural, cresceu em Murici (AL), cidade pobre do Nordeste. Vendeu sandálias feitas com pneus velhos para dispor de algum dinheiro. Quando entrou para a política, em 1978, tinha um fusca. Mais nada. Renan Calheiros ficou milionário.

Em 25 de maio de 2007, um dia antes de a revista Veja chegar às bancas de jornal, havia rumores sobre uma denúncia contra o poderoso presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Em Brasília, o presidente da República tratou de defender o aliado:

- Não vi nenhuma matéria ainda, conversei com o Renan ontem e anteontem. O Renan está tranquilo.

Lula acrescentou, para não deixar dúvidas sobre a sua posição:

- Essas coisas têm de ter um processo, uma investigação, a chance daqueles que são acusados prestarem suas explicações.

A reportagem descreveu que Renan Calheiros usou os "serviços" de um funcionário da empreiteira Mendes Júnior, uma das maiores do País, para dar dinheiro vivo à mãe da filha que ele teve fora do casamento. O problema é que os R$ 12 mil mensais, entregues sempre em cash, dentro de envelopes, nas dependências do escritório da Mendes Júnior em Brasília, correspondiam praticamente à totalidade do salário do senador. A suspeita, lógica: o dinheiro não era dele, mas um mimo da empreiteira. Reforçava a suspeita o fato de Renan Calheiros não ter declarado os valores no Imposto de Renda.

Publicado o escândalo, Lula telefonou a Renan Calheiros para manifestar o seu apoio. A assessoria do presidente, solícita, divulgou o teor da fala de Lula:

- Renan, sou solidário a você. Estou muito solidário e tenho certeza de que você vai explicar as acusações.

Os pagamentos à jornalista Mônica Veloso, mãe da pequena Maria Catharina, eram feitos por Cláudio Gontijo, assessor da Diretoria de Desenvolvimento de Tecnologia da Mendes Júnior. Nos encontros regulares entre Renan e a jornalista, revelaria ela depois, não se falava em dinheiro. Muito menos de sua origem. Conveniente. Mas as somas chegaram em espécie às mãos de Mônica Veloso, de março de 2004 a novembro de 2005, dentro dos tais envelopes. Isso durou até Renan reconhecer a paternidade.

Cláudio Gontijo foi fiador do apartamento duplex alugado à jornalista em área nobre de Brasília, e providenciou seguranças para a mãe e a filha do senador. O representante da empreiteira teria colocado à disposição de Renan um flat no hotel Blue Tree de Brasília, para encontros reservados.

O mesmo Cláudio Gontijo também teria arrumado dinheiro para a campanha eleitoral de Renan Calheiros Filho (PMDB), o "Renanzinho", eleito prefeito de Murici (AL) em 2004, e para um amigo, o médico José Wanderley Neto, eleito vice-governador de Alagoas, na chapa encabeçada por Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL), outro amigo de Renan. O prestativo funcionário da Mendes Júnior confirmou a entrega de dinheiro à jornalista, mas negou que fosse da empreiteira para a qual trabalhava. Nas palavras dele:

- Só posso dizer que não era meu.

Lula voltou a se manifestar. Usou o programa de rádio "Café com o Presidente" para reiterar o apoio a Renan Calheiros. Citou a revista Veja:

- A reportagem o colocou sob suspeita. Isso não quer dizer que o senador Renan seja culpado. Até prova em contrário, ele é inocente.

Em discurso no Senado, Renan pediu desculpas à mulher, Maria Verônica Calheiros, e informou que repassou dinheiro deduzido de seus subsídios de senador a Mônica Veloso. Deu cheques após o reconhecimento da paternidade. Afirmou ter constituído um fundo de R$ 100 mil, de suas próprias reservas, para as despesas com a educação da criança. E explicou que a escolha de Cláudio Gontijo como interlocutor entre as partes se deu porque era seu amigo e também amigo da jornalista.

O líder do governo Lula na Câmara dos Deputados, José Múcio (PTB-PE), assistiu ao depoimento de Renan. Foi ao Senado prestigiar o aliado do chefe. A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), elogiou a agilidade e a eficiência das explicações de Renan. Da senadora:

- Acho que temos uma situação de estabilidade no Senado.

Do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), após ouvir o discurso de Renan:

- Na minha visão, assunto encerrado. Os fatos foram explicados à exaustão.

.....

Em 2006, último ano do primeiro mandato de Lula, Renan elevara seu patrimônio para R$ 9,8 milhões, mais de seis vezes o de 2002, a saber: três fazendas em Alagoas, apesar de apenas uma estar registrada em seu nome, 1.742 cabeças de gado, mansão na badalada praia de Barra de São Miguel (AL), apartamento em Maceió e cinco caminhonetes de luxo. Da relação não constavam outras duas fazendas, que teriam sido arrendadas do irmão e deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL), nem a Correio Gráfica, Editora e Produtora, empresa que pertenceria ao grupo ligado a Renan Calheiros.

Depois de dois dias de "investigações", sem ouvir testemunhas, o relator do processo contra Renan Calheiros no Conselho de Ética do Senado, Epitácio Cafeteira (PTB-MA), solicitou o arquivamento do caso. Era 13 de junho de 2007. Alegou "absoluta ausência de provas ou indícios" de quebra de decoro parlamentar. A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), concordou com o rito sumário e acusou jornalistas de condutas caluniosas....

...

Da reunião entre Lula e Renan vazou o de praxe: Lula se declarou solidário e se queixou da imprensa. Exemplificou com o "linchamento" contra o irmão Genival Inácio da Silva, o "Vavá", investigado pela Operação Xeque-Mate da Polícia Federal. Lula também reclamou do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Insinuou que o senador não cumpria acordos políticos e agia como julgava conveniente. Já Renan saiu do gabinete do presidente da República dizendo que não iria renunciar. Palavras do senador:

- O presidente Lula é um amigo e pretendo cultivá-lo dessa forma. Essa coisa de pedir apoio e solidariedade é muito corriqueira na vida das pessoas.

Em seguida, Lula reuniu-se com a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), e com um importante articulador do partido na Casa, senador Tião Viana (PT-AC). Conversaram sobre o papel que o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) poderia desempenhar para ajudar a debelar a crise. Mercadante era homem da absoluta confiança do presidente da República. Para registrar: o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), presidente nacional do PT, e o ex-ministro José Dirceu, atuante como sempre, já haviam defendido publicamente a permanência de Renan na Presidência do Senado.

....

em 2003, o irmão do senador, deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL), abriu a Conny Indústria e Comércio de Sucos e Refrigerantes em Murici (AL). A fábrica, conforme levantamento da revista Veja, valia menos de R$ 10 milhões, mas foi vendida à Schincariol, segunda maior cervejaria do País, por R$ 27 milhões.

Para construir a fábrica, Olavo Calheiros ganhou de graça terreno de 45 mil metros quadrados da Prefeitura, que estava nas mãos de outro irmão dele, o prefeito Remi Calheiros. A fábrica ficou isenta do pagamento de água por três anos. Para erguer as instalações, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) concedeu empréstimo de R$ 6 milhões, que seria quitado em 20 anos. Negócio perfeito. Principalmente porque o empréstimo não foi honrado. O gerente do banco que autorizou a operação de crédito recebeu a devida recompensa. Por indicação de Renan virou superintendente do BNB (Banco do Nordeste do Brasil) em Alagoas.

Com o fechamento do negócio com a Schincariol, Olavo Calheiros teria posto no bolso R$ 17 milhões. Por que a Schincariol teria desembolsado três vezes mais pela fábrica dos Calheiros? A reportagem de Veja explicou que Renan fez gestões junto ao Ministério da Justiça e ao INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), que planejava executar dívida de R$ 100 milhões da cervejaria. No ano anterior, alguns dirigentes da Schincariol chegaram a ser presos acusados de sonegar R$ 1 bilhão. Possível resultado da interferência do senador, a dívida executada acabou somando apenas R$ 49.700.

Solícito, Renan Calheiros também visitou a Receita Federal, que deveria aplicar multa milionária à Schincariol e cobrar dinheiro sonegado. Possível resultado da interferência do senador, a dívida foi pulverizada pelas fábricas da cervejaria espalhadas pelo País, o que complicaria e retardaria quaisquer cobranças. Para constar: 11 certidões da Conny Indústria e Comércio de Sucos e Refrigerantes desapareceram da Junta Comercial de Alagoas. Os documentos faziam referências a alterações de contrato e decisões da diretoria.

Renan voltou a se encontrar com Lula. Disse que não deixaria o cargo de presidente do Senado. Lula baixou a cabeça. Em 11 de julho de 2007, ambos almoçaram juntos, em companhia das mulheres, Marisa e Verônica, durante recepção à governadora-geral do Canadá, Michaëlle Jean. Na ocasião, Lula sugeriu que Renan tirasse férias com a família.

Fortalecido por mais um gesto de apoio do presidente da República, Renan usou o cargo de presidente do Senado para retardar a investigação no Conselho de Ética. Adiou quatro dias, até a véspera do recesso parlamentar, o envio de documentos apresentados por sua defesa para a perícia da Polícia Federal. Os documentos seriam a comprovação de que Renan obteve ganhos de R$ 1,9 milhão com a venda de gado, e assim disporia de dinheiro para dar a Mônica Veloso. Engraçado o senador protelar a entrega das provas que o absolveriam. O governo assentiu. De Romero Jucá, líder de Lula no Senado:

- O governo está acompanhando tudo com preocupação, solidário a Renan e torcendo para que tudo seja resolvido dentro da trilha da normalidade.

Do presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), ao dizer que Renan merecia o apreço do partido por ter sido sempre aliado de Lula:

- Não aceitamos linchamento público nem constrangimento para forçar o presidente do Senado a se licenciar da função ou a renunciar.

Depois de várias manobras protelatórias, a Polícia Federal recebeu ofício do ministro da Justiça, Tarso Genro (PT-RS), com autorização para analisar os documentos. Só que a papelada não chegou a ser enviada. Só a autorização. Pareceu piada. A Polícia Federal teve de requisitá-la formalmente. Durante todo o período de perícia, aliás, a defesa de Renan tratou de encaminhar mais relatórios, retardando e confundindo o trabalho dos agentes federais.

A Secretaria da Fazenda de Alagoas atrasou remessa de notas fiscais e comprovantes de supostas transações com gado. A Secretaria de Agricultura de Alagoas demorou a encaminhar atestados de vacina e outros documentos. A defesa do presidente do Senado procurou construir a versão de que o irmão de Renan, deputado Olavo Calheiros, foi um dos compradores do gado. Outro comprador teria sido o matadouro e frigorífico Mafrial, que não anexou notas fiscais próprias, mas as de um conjunto de empresas fantasmas ou irregulares. Os supostos compradores não chegaram a ser localizados ou não mandaram informações para documentar e dar sustentação às operações.

Em 1º de agosto de 2007, a sede do Mafrial, em Satuba (AL), foi assaltada. A quadrilha de seis homens armados levou dinheiro, cheques e documentos. Funcionários testemunharam que os assaltantes perguntaram sobre "os documentos do Renan". O assalto ocorreu 48 horas após suposta ação de fiscalização da Secretaria da Fazenda de Alagoas no estabelecimento, e apenas poucas horas antes do prazo final de entrega do demonstrativo de abate de gado. Estranho. O Mafrial não encaminhou parte dos documentos solicitados.


Nenhum comentário:

Postar um comentário