quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Enquanto o ateu Pandit Nehru governou a Índia, não houve carnificina entre religiosos.

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Governo republicano e religiões, por Luiz Carlos da Cunha*
Para o Jornal Zero Hora

“Quem eles pensam que são? E de onde eles tiram a ideia de que têm o direito de impor suas crenças religiosas a mim?”

Barry Goldwater, senador republicano conservador, candidato à presidência, 1981.

A cada campanha presidencial entre nós, a pressão religiosa sobre candidatos cresce. Cresce ao ponto perigoso de ferir os princípios republicanos de independência do governo laico em relação a crenças religiosas. Princípios sobre os quais se construíram as democracias modernas desde as Revoluções Francesa e Americana. Na América e no Brasil, os cristãos evangélicos multiplicaram seu poder econômico e numérico. Temos no Congresso bancada evangélica bem definida e coordenada. Não se pode menosprezar que algumas dessas igrejas são alvo de processos do Ministério Público, acusadas de se constituírem em organismos comerciais destinados a enriquecer seus dirigentes à custa da boa-fé popular.

Como outro princípio do governo republicano democrático se pauta pelo primado da maioria votante, cria-se um paradoxo: a maioria decide, seja qual for a religião a formá-la. E, adquirindo o poder, pode impor aos demais seus desígnios. Justamente para impedir tal resultado, maléfico para o conjunto de uma nacionalidade, a experiência social e política consagrou o governo sem religião. São funções distintas. Cláusula fundamental na construção de uma sociedade pluralista, democrática e tolerante. Entretanto, flagra-se na América como no Brasil o esforço de qualquer candidato a cargo civil público de se mostrar religioso para captar votos. Nos EUA, hoje, contrariando o espírito e a vontade dos fundadores de sua nação, candidato a presidente tem de pertencer a alguma grei evangélica se quiser ser eleito. Lá, muitos legisladores ateus se escudam protegidos pelo cinismo. Mas a sociedade americana é eminentemente individualista desde as diretrizes implantadas pelos fundadores da nação. Há liberdade de crença e de opinião. Consta de sua histórica e irretocável Constituição a liberdade de crença. Baseados nesta cláusula, ramos do mormonismo formam colônias isoladas para manter o casamento plural e o “dever religioso”, estabelecido pelo seu profeta, de o homem casar com meninas de 13 anos e com quantas mulheres puder sustentar. A multiplicação progressiva de filhos (sem registro civil) descarrega ao Estado a responsabilidade de prestar todos os benefícios da seguridade social àquelas coletividades, à custa do contribuinte seguidor da lei, que nada tem a ver com a religiosidade dos mórmons.

No Brasil, não se chegou a tais extremos; o confronto vem se desenhando de outra natureza. O catolicismo nasceu com o país e consolidou nossa formação cultural com a língua portuguesa. A contribuição da Igreja na educação, mantendo centenas de escolas desde o Brasil Colônia, Império e República, credencia-na a um mérito de reconhecimento que nenhuma outra pode se comparar. Contudo, isso não lhe abre exceção para recorrer à fé para subjugar assuntos de governo.

Como há liberdade para qualquer cidadão fundar qualquer empreendimento comercial definido como religião, e usufruir de isenção fiscal, cria-se uma situação insolúvel sob a lei vigente que nivela a todas. Talvez, num recurso heroico de justiça, o Estado pudesse recorrer ao aforismo da maior autoridade cristã no assunto – o próprio Cristo: “Meu reino não é deste mundo”.

Enquanto o ateu Pandit Nehru governou a Índia, não houve carnificina entre religiosos.

Flagra-se o esforço dos candidatos a cargos públicos de se mostrarem religiosos para captar votos
*Arquiteto

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