quarta-feira, 6 de outubro de 2010

FHC entrou pela frente, Dirceu pelos fundos

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 Coluna do Elio Gaspari, em vários jornais, hoje.


 No dia em que Marina Silva, uma pobre menina do Acre, nascida no seringal Bagaço, teve 19,6 milhões de votos, José Dirceu, o engenheiro da máquina petista na eleição vitoriosa de 2002, chegou cedinho para votar num colégio de Moema, em São Paulo. Entrou por uma porta lateral e saiu protegido por seguranças. Há quatro anos, nesse mesmo local, ouviu gritos de "ladrão". Na mesma manhã de domingo, Fernando Henrique Cardoso percorreu a pé uns poucos quarteirões e votou no Colégio Sion, o prédio onde, em 1980, um grupo de sindicalistas fundou o Partido dos Trabalhadores.

Algo está acontecendo debaixo dos olhos do comissariado petista. Mais: os resultados trouxeram sinais de que algo está acontecendo debaixo dos olhos do eleitorado. Com 255 mil votos, o deputado federal mais votado do PT de São Paulo foi João Paulo Cunha, réu do processo do mensalão. Numa bancada que já teve Florestan Fernandes e Hélio Bicudo, o líder do PT na Câmara, Candido Vaccarezza, chegará à Câmara numa coligação beneficiada pelos 1,4 milhões de votos dados ao palhaço Tiririca, "pior do que está, não fica". Em Boa Vista, um colaborador de Romero Jucá (PMDB), líder do governo no Senado, ao ver a Polícia Federal, jogou um pacote com R$ 100 pela janela do carro.

Quando Marina Silva se juntou aos movimentos da igreja e ao PT nas causas do andar de baixo do Acre, Erenice Guerra, a filha de um pedreiro, militava nas bases cristãs e no jovem PT. Uma chegou ao Senado, a outra à Chefia da Casa Civil. Uma saiu do PT e festejou 19,6 milhões de votos, a outra tem os filhos depondo na polícia por conta de maracutaias urdidas no Planalto e na Anac.

O comissariado menosprezou Marina Silva. Esse tipo de erro é neutro. Resulta da impossibilidade de se prever o desempenho de um adversário. O comissariado menosprezou também a descoberta do Ereniçário, um "factoide", segundo Dilma Rousseff. Aí não se tratou de um erro neutro, mas de um produto da soberba petista.

Pode-se supor que Marina Silva recebeu 10 milhões de votos sem culpa, movidos a emoção. Foram eleitores que usufruíram o direito de ficar longe de argumentos extremados como os do mensalão petista e da privataria tucana. Na infância, o PT foi alimentado por esse tipo de voto, daqueles que não queriam trato com os náufragos da ditadura, nem com políticos que formavam aquilo que supunham ter sido uma oposição consentida. (Tremenda injustiça com Tancredo Neves, Franco Montoro e Ulysses Guimarães.)

Acreditar que um apoio formal de Marina afrouxe o cadeado aritmético dos 47,6 milhões de Dilma Rousseff é uma aposta arriscada. Os votos sem culpa não formam um curral. Eles são o contrário disso. Votos evangélicos saídos da fé podem ir para qualquer lado. Votos evangélicos produzidos por pastores e bispos eletrônicos possivelmente serão devolvidos a Dilma.

O que levará eleitores sem culpa a escolher entre Dilma e Serra será um processo complexo e imprevisível, ligado ao simbolismo que os candidatos constroem em torno de suas figuras. Foi isso que Marina conseguiu.

Por falar em simbolismos, na noite da vitória de 2002 José Dirceu teve um piti porque não foi levado ao pódio de Lula no palanque da festa, na Avenida Paulista. Passados oito anos, foi votar pelos fundos, enquanto FHC entrou pela porta da frente.

Marina capturou votos sem culpa. É preciso buscá-los no coração do eleitor

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