Os negacionistas da mudança do clima, maldenominados "céticos", têm certeza de que, se ela existir, não foi causada pelo homem --ou não merece ser combatida. Para negar a necessidade de adotar um tratado internacional para reduzir a emissão de gases do efeito estufa, coisa que na sua convicção destruiria a livre iniciativa e daria poder demais aos governos, lançam dúvidas sobre a ciência do aquecimento global.
Quanto mais dúvida, melhor. Quem se arriscaria a adotar políticas custosas com base em informação questionável?
A negociação internacional sobre o tema saiu dos trilhos em Copenhague, no final de 2009. Parece pouco provável que volte a eles daqui a seis meses, em Cancún. O fracasso não foi, porém, obra exclusiva dos negacionistas.
Isso apesar de todo o barulho que conseguiram fazer com os e-mails furtados do caso "Climagate". E, também, com o erro constrangedor, porém menor, encontrado no Quarto Relatório de Avaliação do IPCC (AR4), sobre a descabida previsão de que as geleiras do Himalaia derreteriam até 2030.
Não, o que está paralisando a negociação é o bom e velho conflito Norte-Sul. Ele se encontra agora agravado pelo fato de que a crise financeira mundial está afetando muito mais o Norte que o Sul (embora China e Índia fiquem no hemisfério Norte e fosse mais correto falar em conflito Oeste-Leste).
No máximo se pode dizer que os negacionistas deram contribuição significativa para o retrocesso sofrido, nos EUA, pela noção de aquecimento global antropogênico (causado pelo homem) - ou "AGA", para encurtar. Antes do derramamento de óleo no Golfo do México, 50% dos americanos davam mais importância ao fornecimento de energia do que ao ambiente (43%), uma inversão do que vinha ocorrendo nos últimos nove anos.
Gallup | ||
Toda a discussão interminável levantada pelos negacionistas, no entanto, poderá tornar-se obsoleta em breve. É provável até que espada capaz de cortar o nó górdio atado por eles nem seja desembainhada pela ciência do clima, mas sim pela atmosfera no mundo dos negócios.
Assim como fracassam em convencer seus pares na academia, é quase certo que ficarão falando sozinhos também diante dos capitalistas pelos quais lançaram sua cruzada. Em seu lugar, começaria a atacar o pessoal que mais entende de risco, as companhias seguradoras.
Não tenho simpatia especial por elas, mas ouvi com atenção o que Ernst Rauch, da multinacional Munich Re, tem para dizer. Foi uma das últimas mesas-redondas do Fórum Global de Mídia da Deutsche Welle (uma espécie de BBC alemã), em Bonn, na semana passada. A Munich Re é uma das maiores empresas do mundo em resseguros, ou seja, uma seguradora de seguradoras.
MunichRe | ||
Rauch falou várias coisas interessantes, mas a que mais chamou a atenção está no gráfico acima. Como é provável que a legenda não fique muito legível, saiba que se trata de catástrofes naturais registradas entre 1980 e 2009.
A primeira coisa a assinalar é que a quantidade de desastres pelo menos dobrou, em três décadas. Saltou da casa dos 400 por ano, no início dos anos 1980, para a faixa de mais de 800 na segunda metade da década atual.
Note, agora, o que aconteceu com as barrinhas vermelhas. Apesar da oscilação, percebe-se que se mantiveram, de forma consistente, abaixo de cem catástrofes por ano. Elas representam os eventos geofísicos, como terremotos, tsunamis e erupções vulcânicas.
Apesar da tendência popular a associar tais tragédias à mudança climática, uma coisa nada a tem a ver com a outra. Os vendavais que sacodem a atmosfera e destroem milhares de vidas humanas não fazem nem cócegas na litosfera, crosta dura sobre a qual levamos nossas vidas insignificantes.
O que aumentou, mesmo, foram as barras verdes (tempestades), azuis (enchentes e deslizamentos) e amarelas (extremos de temperatura, secas e incêndios florestais). Todos eles eventos previstos para aumentar em frequência com a mudança do clima.
Quer isso dizer que são causados pelo AGA? Não necessariamente. Nenhum climatologista sério se arriscará a relacionar causalmente cada um desses eventos - como as enchentes da semana passada no Nordeste - com o aquecimento. Mas seria bom se eles começassem a dizer com mais ênfase que o aumento é, pelo menos, compatível com as previsões do IPCC.
E mesmo que não fossem, isso seria razão para deixar de agir? O pessoal da Munich Re acha que não. Pouco importa se os desastres são fruto do AGA ou não, se os danos a serem ressarcidos por seguros estiverem aumentando, seja por que razão for.
A mesma lógica cautelosa deveria aplicar-se aos governos. Não faz sentido esperar por um grau elevado e indefinido de certeza da ciência do clima para começar a preparar sua população e sua infraestrutura para o que parece uma tendência clara (veja a linha negra do gráfico). O dano potencial pode ser muito maior que o investimento na prevenção.
O Brasil mal começou a estudar a sério esse que talvez seja o capítulo mais importante de toda a discussão sobre mudança climática: adaptação. Um primeiro estudo sobre a vulnerabilidade da Região Metropolitana de São Paulo a enchentes foi lançado há poucas semanas. O país precisa de muito mais dessas avaliações, mesmo que seja só para mostrar que cheias e deslizamentos não são meras fatalidades da natureza, imprevisíveis por definição.
Entra governo, sai governo, e as áreas de risco não são mapeadas direito. As pessoas continuam morrendo arrastadas por enxurradas ou soterradas em lama.
Ao lançarem mais e mais dúvidas sobre a mudança do clima, os negacionistas - talvez inadvertidamente - contribuem para fixar a percepção de que nada se pode fazer a respeito. E, assim, ajudam a perpetuar a insegurança da população mais pobre. Com certeza não é essa sua intenção.
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