Do jornal Zero Hora do RS (para assinantes)
Dezenas de instrutores estrangeiros ensinaram métodos de tortura às polícias da América do Sul, mas nenhum ficou tão célebre como o norte-americano Dan Mitrione. Quando foi sequestrado e morto, jornalistas internacionais acorreram ao Uruguai. Tema de filme (Estado de Sítio, de Costa-Gavras), o agente do governo norte-americano fez duas incursões secretas ao Estado, durante a ditadura, para ensinar a controlar e dissolver manifestações
Porto Alegre esteve no roteiro do policial Dan Mitrione, enviado pelos Estados Unidos para adestrar as forças de segurança do Brasil e do Uruguai, na década de 1960. Veio duas vezes à Capital, no verão e no inverno de 1964, procedente do Rio de Janeiro (sua base no país), para instruir policiais gaúchos sobre técnicas de controle de tumultos e dissolução de protestos, os quais já se anunciavam com a instauração da ditadura militar.
Daniel Anthony Mitrione passou à história como o especialista que amplificou os métodos de tortura contra prisioneiros políticos na América do Sul – por isso foi assassinado por guerrilheiros tupamaros, no Uruguai. Em Porto Alegre, pelo menos oficialmente, limitou-se a dar cursos sobre utilização de novos equipamentos para conter manifestações.
As duas visitas foram breves e secretas. A primeira ocorreu de 21 de janeiro a 1º de fevereiro de 1964, para um curso de 30 horas intitulado “Supervisão e operações de patrulhamento”. Retornou no mesmo ano, de 19 a 26 de junho, depois do golpe militar que derrubou o presidente João Goulart, para um curso de 25 horas sobre “Técnica de patrulhamento”. Dan Mitrione assinou os certificados como “professor”.
Atualmente aposentado, o delegado de Polícia Civil Epitácio Torres, 78 anos, serviu de intérprete a Dan Mitrione. Ex-professor de inglês na juventude, revela que traduziu aulas sobre o emprego de gás lacrimogêneo e de máscaras de proteção. Houve simulação prática, inclusive com duas barracas para refúgio dos que passavam mal.
– Notei que os policiais tratavam-no muito bem. Era sério e reservado – conta Torres.
Os cursos foram mais para a Guarda Civil do Estado, corporação que fazia policiamento ostensivo e foi extinta nos anos 60. Um dos alunos foi Valdevino Francisco da Silva, que criou e comandou o Grupo de Operações Especiais (GOE), a polícia de choque. Hoje com 79 anos, Valdevino lembra que recebeu orientações de Mitrione sobre como algemar um detido.
Eram algemas norte-americanas, da Smith & Wesson, que imobilizavam os punhos de um preso ao primeiro clique. Na época fiscal (equivalente ao posto de oficial) da Guarda Civil, Valdevino conserva uma fotografia em que Dan Mitrione demonstra, no próprio pupilo, como acionar o par de argolas com segurança.
Americano ensinou o uso de porretes
Outra lição que Valdevino e seus guardas civis tiveram foi sobre bastões, como usá-los para defesa e ataque. Por sugestão do Serviço de Segurança Pública dos Estados Unidos, que mandou Dan Mitrione e outros americanos ao Brasil, as polícias substituíram os cassetetes de borracha por longos porretes de madeira, considerados mais apropriados para dispersar multidões em caso de conflito.
Valdevino também define o instrutor americano como circunspecto, absolutamente compenetrado na sua tarefa. Não participava de eventuais brincadeiras entre os policiais, os óculos de aros grossos quadrados reforçavam o aspecto professoral.
– Não era comunicativo. Cumpriu a missão dele e foi embora – diz Valdevino, que se tornou comissário de Polícia com o fim da Guarda Civil.
Antes de partir, Dan Mitrione posou para uma foto, em frente ao Palácio da Polícia. Perfilou-se ao lado do chefe da Polícia Civil, Leo Guedes Etchegoyen (depois general de Exército), delegados, oficiais da Brigada Militar e fiscal da Guarda Civil. Fazia frio, os 11 integrantes da imagem se protegiam com sobretudos, echarpes e até chapéu. Então com 44 anos, o americano vestia um impermeável claro e segurava um rolo de papel na mão esquerda.
Comentários Politicamente (In)Corretos
Mais uma das razões porque os militares tem medo de verem os arquivos da ditadura abertos e se protegem atrás da auto-anistia
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