domingo, 26 de fevereiro de 2012

Um professor de tortura para as polícias do Brasil

Do jornal Zero Hora do RS (para assinantes)

Dezenas de instrutores estrangeiros ensinaram métodos de tortura às polícias da América do Sul, mas nenhum ficou tão célebre como o norte-americano Dan Mitrione. Quando foi sequestrado e morto, jornalistas internacionais acorreram ao Uruguai. Tema de filme (Estado de Sítio, de Costa-Gavras), o agente do governo norte-americano fez duas incursões secretas ao Estado, durante a ditadura, para ensinar a controlar e dissolver manifestações

Porto Alegre esteve no roteiro do policial Dan Mitrione, enviado pelos Estados Unidos para adestrar as forças de segurança do Brasil e do Uruguai, na década de 1960. Veio duas vezes à Capital, no verão e no inverno de 1964, procedente do Rio de Janeiro (sua base no país), para instruir policiais gaúchos sobre técnicas de controle de tumultos e dissolução de protestos, os quais já se anunciavam com a instauração da ditadura militar.

Daniel Anthony Mitrione passou à história como o especialista que amplificou os métodos de tortura contra prisioneiros políticos na América do Sul – por isso foi assassinado por guerrilheiros tupamaros, no Uruguai. Em Porto Alegre, pelo menos oficialmente, limitou-se a dar cursos sobre utilização de novos equipamentos para conter manifestações.

As duas visitas foram breves e secretas. A primeira ocorreu de 21 de janeiro a 1º de fevereiro de 1964, para um curso de 30 horas intitulado “Supervisão e operações de patrulhamento”. Retornou no mesmo ano, de 19 a 26 de junho, depois do golpe militar que derrubou o presidente João Goulart, para um curso de 25 horas sobre “Técnica de patrulhamento”. Dan Mitrione assinou os certificados como “professor”.

Atualmente aposentado, o delegado de Polícia Civil Epitácio Torres, 78 anos, serviu de intérprete a Dan Mitrione. Ex-professor de inglês na juventude, revela que traduziu aulas sobre o emprego de gás lacrimogêneo e de máscaras de proteção. Houve simulação prática, inclusive com duas barracas para refúgio dos que passavam mal.

– Notei que os policiais tratavam-no muito bem. Era sério e reservado – conta Torres.

Os cursos foram mais para a Guarda Civil do Estado, corporação que fazia policiamento ostensivo e foi extinta nos anos 60. Um dos alunos foi Valdevino Francisco da Silva, que criou e comandou o Grupo de Operações Especiais (GOE), a polícia de choque. Hoje com 79 anos, Valdevino lembra que recebeu orientações de Mitrione sobre como algemar um detido.

Eram algemas norte-americanas, da Smith & Wesson, que imobilizavam os punhos de um preso ao primeiro clique. Na época fiscal (equivalente ao posto de oficial) da Guarda Civil, Valdevino conserva uma fotografia em que Dan Mitrione demonstra, no próprio pupilo, como acionar o par de argolas com segurança.

Americano ensinou o uso de porretes

Outra lição que Valdevino e seus guardas civis tiveram foi sobre bastões, como usá-los para defesa e ataque. Por sugestão do Serviço de Segurança Pública dos Estados Unidos, que mandou Dan Mitrione e outros americanos ao Brasil, as polícias substituíram os cassetetes de borracha por longos porretes de madeira, considerados mais apropriados para dispersar multidões em caso de conflito.

Valdevino também define o instrutor americano como circunspecto, absolutamente compenetrado na sua tarefa. Não participava de eventuais brincadeiras entre os policiais, os óculos de aros grossos quadrados reforçavam o aspecto professoral.

– Não era comunicativo. Cumpriu a missão dele e foi embora – diz Valdevino, que se tornou comissário de Polícia com o fim da Guarda Civil.

Antes de partir, Dan Mitrione posou para uma foto, em frente ao Palácio da Polícia. Perfilou-se ao lado do chefe da Polícia Civil, Leo Guedes Etchegoyen (depois general de Exército), delegados, oficiais da Brigada Militar e fiscal da Guarda Civil. Fazia frio, os 11 integrantes da imagem se protegiam com sobretudos, echarpes e até chapéu. Então com 44 anos, o americano vestia um impermeável claro e segurava um rolo de papel na mão esquerda.

Comentários Politicamente (In)Corretos

Mais uma das razões porque os militares tem medo de verem os arquivos da ditadura abertos e se protegem atrás da auto-anistia

sábado, 18 de fevereiro de 2012

GOVERNO VIGIADO - Cruzada obscurantista

Do Jornal Zero Hora de 19 de fevereiro de 2012 para assinantes

GOVERNO VIGIADO

Cruzada obscurantista

É no mínimo constrangedor ver um governo refém de anacrônicas pregações religiosas. Por mais que temas como a legalização do aborto e o casamento homossexual ainda sejam tabus, é prudente que esse debate seja despido de convicções ideológicas ou crenças doutrinárias.

O Brasil é um país laico. Políticas de saúde pública e ações de combate ao preconceito e à violência não podem ser alvo de barganhas eleitorais. A bem da verdade, a raivosa reação da bancada evangélica às declarações do ministro Gilberto Carvalho esconde uma disputa pelo controle do voto dos fiéis. Ao exigir um pedido de perdão do ministro, os pastores do Congresso enviaram um recado ao governo: para obter o voto dos nossos seguidores, vocês terão de negociar conosco. Ou melhor, barganhar.

Não deixa de ser um paradoxo para o PT. Foi no governo Lula que a classe C, onde se concentra a maioria dos evangélicos, teve maior ascensão. E esse segmento já produziu estragos na eleição passada, quando Dilma Rousseff precisou corrigir o rumo da campanha para estancar a sangria de votos por causa da polêmica sobre aborto. Agora, a pregação se volta contra a candidatura de Fernando Haddad em São Paulo.

Prioridade número 1 do PT, a campanha de Haddad já começa a ser alvejada por ataques religiosos. Nesse quadro obscurantista, o pior é ver um ministro e candidaturas acuadas por uma bancada que tem entre seus líderes Anthony Garotinho, condenado por formação de quadrilha.

klecio.santos@gruporbs.com.br